Wednesday, December 20, 2006




"Todas as coisas fora do lugar ficam fáceis de ser encontradas, apesar da falta da certeza da visualização imediata e do tato.
É preciso memorizar e sentir o que se quer achar de forma que a liberdade dos objetos fora dos compartimentos são atraídos um tanto instintivamente quando se necessita
."

***Simbologia de uma mesa de trabalho ociosa e pensante ***

Tuesday, December 19, 2006




A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
(…)
Silent, silent
This is my final fit, my final bellyache with
No alarms and no surprises
(…)
No alarms and no surprises please
Such a pretty house, such a pretty garden
No alarms and no surprises (let me out of here)
(…)
(No Surprises-Radiohead)

“Não lembrar o que se fala ou se faz pode ser tão perigoso quanto dormir com nós mesmos”

Monday, December 11, 2006

Eu já vivo tão cansado
de viver aqui na Terra
minha mãe eu vou pra Lua
eu mais a minha mulher
vamo fazê um ranchinho
todo feito de sapé
Triste Bahia!
Eu já vivo tão cansado
de viver aqui na Lua
minha mãe eu vou pra Marte
eu mais a minha mulher
vamo fazê um ranchinho
todo feito de sapé
Triste Lua!
Eu já vivo tão cansado
de viver aqui no Marte
minha mãe eu vou pra Arte
eu mais a minha mulher
toco fogo no ranchinho
e seja o que Deus quiser
Triste Marte!
Eu já vivo tão cansado
de viver aqui na Arte
minha mãe eu vou pra Vida
eu vou sem minha mulher
não preciso de ranchinho
nem da porra do sapé
Triste Arte!
Eu já vivo tão cansado
de viver aqui na Vida
minha mãe eu vou pra Morte
lá tem o que Deus quiser
Ele que dê o ranchinho
Ele que dê o sapé
Triste Vida!
Eu já vivo tão cansado
de viver aqui na Morte
minha mãe, vou pro seu Útero
cê vai sê minha mulher
sua barriga o meu ranchinho
sua placenta o meu sapé

(C'antiga -Porcas Borboletas)

Havia um vaso de planta no meio do caminho
No meio do caminho havia um vaso de planta.
O vaso de planta foi colocado no meio do caminho.
No meio do caminho um vaso de plantas vermelhas
O vaso foi deixado na avenida de manhã.
Os carros passavam ao lado da planta
As rubras folhas apenas se moviam com o vento
O vaso preto estava acidentalmente na divisão entre as faixas
Nenhum veiculo acertou as plantas
E o vaso entre a faixa de pedestres era observado no farol vermelho
O caminho era o mesmo depois de dois dias
Mas o vaso não estava mais lá
Ou será o caminho que mudou?

Monday, December 04, 2006


A pasteurização nos sentimentos ou sobre como desisti da alta médica



Olhar desoladamente para o infinito com um ar triste, não achar graça em nada, sorver palavras melancólicas ao vento, e assumir que se toma remédios de tarja preta nem sempre ocorreu por real necessidade na vida de muita gente, já que não é só disso que se faz seres humanos problemáticos.
Exceto os casos de superação de traumas complexos, algumas pessoas que se dizem curadas da depressão são mera balela nos atendimentos psicológicos.
Não tenho mérito para falar com propriedade sobre o assunto, mas apenas minha vivência com o “distúrbio” (já que precisamos de rótulos, vamos lá!) me dignifica para refletir sobre o tema. Pessoas depressivas podem estar alegres em muitos momentos, podem tomar partido das suas vidas, e de repente estão só prestando atenção em algo ou raciocinando sobre o que observam. Assim como não se curam do mal com remédios que as levam da euforia ao sono em minutos.
Os médicos, a sociedade, o mundo cientifico tentam em vão curar, achar uma bula, ou um tratamento eficaz que elimine de uma vez por todas tudo que grita em seu corpo para que seja fácil se relacionar com pessoas iguais e com os mesmos sentimentos.
E como é difícil lidar com um louco! Seus devaneios, delírios, olhares repentinos, gestos desenfreados, teorias aparentemente sem sentido sempre confunde tudo que estava definido e em seu lugar.
Os mais conservadores poderão dizer que a depressão é uma doença reconhecida na OMS –Organização Mundial de Saúde-, e que o que estou dizendo é pura conclusão equivocada.
Uma doença. Assim poderia ser entendido os estágios de desequilíbrio nos níveis mais profundos do subconsciente, se este estivesse isolado a estímulos sociais e acontecimentos acidentais ou extraordinários.
Também há um outro fator que está relacionado à transmissão do distúrbio geneticamente. Talvez aqui faça sentido, mas se é esse o caso, analise se as pessoas envolvidas na família reagem da mesma forma a doença. Certamente não, porque cada uma possui os seus motivos próprios, que distanciam também a hipótese dessa segunda tese.
Acho que os seres humanos que crescem extirpando demônios, que se entristecem quando tudo está bem, que pagam o preço pela sensibilidade aflorada não possuem cura, e mesmo que encontrem um remédio ou um jeito de descansarem um pouco as suas cobranças internas e com o mundo, uma hora ou outra a “doença” volta à tona, e assim tudo está perdido, mais uma vez.
Em alguns casos, conseguem canalizar essa ira em obras geniais que geralmente são reconhecidas quando eles desistem de tudo. Mas nem sempre se transforma em produção todos esses complexos mentais. Em ambos os casos, tentar eliminar esse desvio é prova da fraqueza geral do ser humano. Pois como dizia um autor que eu não lembro agora, :“Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que se é”.

Thursday, November 30, 2006



Muito além da bipolaridade

Sinto que estou estranha por um lado, ótima por outro, surpresa na diagonal, repentina na horizontal, e inquieta na vertical vou andando ,eternamente fiel aos meus sonhos ...

Wednesday, November 29, 2006

Big Monkeys



São quatro horas da tarde e ela está na rua Oscar Freire voltando de mais um dia de trabalho fútil para a humanidade.
Lembra que há duas bananas na bolsa: não deu tempo de comer desde que as colocou ali dentro pela manhã. Olha pausadamente e o que vê são duas bananas amassadas.
Volta para a rua e se depara com sacolas circulantes dotadas de vida própria: carregam com pressa relógios Mont Blanc, óculos Oskley, carteiras Versace e tênis de grife.
Espera o farol ficar verde para atravessar, e parece que todos os celulares tocam ao mesmo tempo.
A rua está em obras e algumas garotas tropeçam com seus chinelos de pedrarias finas nos tijolos sobrepostos.
Pessoas sorriem em slow motion nos cafés e fazem caretas treinadas ao tomar sorvete de papaia com cassis.
Homens semi-carecas donos de fios grisalhos e ondulados precisam puxar as suas calças beges até o umbigo antes de acenderem um charuto na porta do restaurante.
E ela lembra que há bananas amassadas dentro da bolsa...
Algumas pessoas a encaram entre as travessas e ela não sabe se é sua saia curta ou o barulho do seu salto direito que soltou de novo, e o prego bate na cerâmica da calçada escandalosamente.
Continua caminhando e o fluxo de pedestres parece aumentar. Se tivesse algum pesquisador do IBGE para calcular ela atestaria que muito mais da metade da classe rica da cidade trafegava ali, naquela tarde.
E queria encontrar também um psicanalista para entender como ela e suas bananas amassadas foram parar ali no meio.
Mas o que falta naquele lugar são bananas.
Consistência
Massa
Encefálica.
Aflorando sua contradição nata, vê que por outro ângulo, o que se tem ali são apenas bananas.
Bananas por toda a parte.
O conteúdo é tão frágil quanto as suas cascas.
E são baratas porque qualquer preço as conquista.

Monday, November 27, 2006

Roda Viva

E agora, nesse minuto, já se passaram 24 horas.
A sensação de estar
caindo
em
um túnel
era passageira.
Mas não existem remédios, e o que era para ser um sintoma, virou o problema.
Não adianta dormir, mesmo porque quando se acorda, surge uma falsa sensação de alivio, mas a tontura não passa.
Parece incomodo com o verão, um simples mal estar e até mesmo uma ressaca das mais bravas.
Tentar esquecer é falho, porque agora o sobe e desce não tem fim.
Serão os labirintos a sua sina?

Wednesday, November 22, 2006

Banco Vago



Seus pés sujos balançavam suspensos naquele banco que faziam os chinelos se desprenderem para o corredor.
Com a mesma estática no olhar permaneceu entre os braços do pai que mirava em direção contrária à porta.
A porta refletia o sol quente que parecia secar a lama de suas pequenas pernas que descansavam inquietas.
A expressão envelhecida, o cansaço e a preocupação não o atribuíam à cronologia que o pertencia.
Nada mais o preocupava: nem a falta de brinquedos, comida ou noites dormidas em colchões limpos.
O que faltava era algo além de problemas urbanos ou crises existenciais.
Nem as pessoas perfumadas e bem vestidas que passavam apressadas por ali o faziam curvar as suas cabeças.
O pai não incitava perigo, nem medo de quem sentava em bancos próximos.
Eles não existiam, assim como o movimento naquelas retinas.

Tuesday, November 21, 2006

Teimosia
Teima
existir.
Nessa vida, quem não teima?
Já que precisa existir...
Há os que acreditam que ganham alguma coisa.
Mas o que não é a ilusão, do que falsas crenças?
Aqui nada se ganha, nem se perde.
E na natureza só há conseqüências.
A pressa precipita essa verdade, e a culpa a retrai.
Pensar muito sobre o que não se deve fazer só estimula a fazê-lo.
Decidi não pensar.
Pois já dizia minha mãe:
O que não tem remédio, remediado está.

Thursday, November 16, 2006

Vou-me Embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei - Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
(Manuel Bandeira )


diferenças na distância mínima do significado das coisas.
Quem é esperto, não necessariamente é inteligente.
E quem é inteligente, muitas vezes é um poço de inocência.
Já os sábios, unem a esperteza no momento certo mais a inteligência adquirida com o passar dos anos.
Quem diverte não consegue alegrar às vezes.
Ninguém é feliz, pois felicidade é condição temporal.
Estamos felizes em alguns momentos mesmo quando não sorrimos.
Quem é depressivo, não necessariamente é triste a todo momento.
O ódio e o amor são duas facetas da mesma cabeça.
Estar nervoso pode ser cansaço.
E o limite pode anestesiar
...

Tuesday, November 14, 2006



Os departamentos pareciam repartições públicas. As salas ficavam fechadas e os móveis eram de madeira pinhão.
Os funcionários daquele setor eram em sua maioria homens mais velhos, carecas e casados.
Ela era incumbida das tarefas mais desprezadas: passar fax, buscar as garrafas de café na cozinha, distribuir os materiais de escritório.
Mas tinha uma na qual sempre se saia bem: encontrar coisas. Não importava qual documento fosse. Algo que ela nunca viu, letras minúsculas, numero de protocolos só no rodapé de paginas empoeiradas. Era só pedir , que ela encontrava.
Abria aquelas gavetas de aço pesadas do arquivo, colocava as pastas para fora e folheava de maneira aleatória.
Naquela época já trazia a alcunha de bagunceira e desorganizada. Não parava para arrumar as coisas, mas sempre acabava encontrando o que procuravam.
Pensou até em ser pesquisadora, arqueóloga, historiadora, ou até astronauta, e quem sabe conseguiria localizar um novo planeta...
Embora todos os sonhos típicos para a época a cerceasse, voltou a terra, fechou a gaveta, e foi até ao departamento, com o papel esperado pelo chefe que não encontrava mais unhas para roer.
Eram todos tensos em forma distinta.
Além dos dedos na boca, ele arregalava os olhos e os fios do cabelo pareciam estar sempre arrepiados.
O que mais a agradava, por mais quieto que fosse era o Carlos Eduardo. Conhecido por Dudu Stradvarius. O segundo nome de apelido era referencia a sua segunda função.
Dudu era violinista de uma escola adventista, e sempre colocava nomes e historias de artistas clássicos no meio das conversas mais corriqueiras.
-Minha mulher está grávida.
-Parabéns!!!
-Mas a primeira esposa de Johann Sebastian Bach morreu de repente, depois que deu à luz a sete filhos.
-Acho que tenho problema de audição, tenho que ir ao médico.
-Beethoven quase cometeu suicídio quando soube, mas por essa deficiência, introduziu mais contrastes, mais peso e mais drama que conseguia ouvir na forma sinfônica.
Fora o discurso clássico de todo dia, ele ainda tocava um violino imaginário ou um air violin, quando ficava nervoso.
Falava que um dia ia levar ao trabalho o instrumento e mostrar algumas notas. Ela aguardava ansiosa porque além achar lindo o som, queria aprender a tocar.
Um dia depois da conversa que tiveram a tarde toda sobre música, a filhinha que tinha acabado de nascer, a esposa que conhecera na adolescência, ela entra na sala esperando ver o gordinho na mesma mesa de frente à dela, com sua respiração ofegante por conta da asma.
Mas ele não estava lá.
Ele tinha morrido. Um bruto acesso de tosse asmática e foi parar no hospital. Faltou oxigênio no cérebro. Ele não tinha achado a bombinha a tempo.
Começou a chorar, mas depois de dois minutos, como cronometrados para o silencio, o seu chefe voltou a roer as unhas, e os telefones tocavam e fax e e-mails chegavam, e tudo voltava à normalidade. Será que se precisasse achar a bombinha para Dudu ela teria encontrado na hora certa?

Monday, November 13, 2006

So this is permanence, love's shattered pride.
What once was innocence, turned on its side.
A cloud hangs over me, marks every move,
Deep in the memory, of what once was love.
Oh how I realized how I wanted time,
Put into perspective, tried so hard to find,
Just for one moment, thought I'd found my way.
Destiny unfolded, I watched it slip away.
Excessive flashpoints, beyond all reach,
Solitary demands for all I'd like to keep.
Let's take a ride out, see what we can find,
A valueless collection of hopes and past desires.
I never realised the lengths
I'd have to go,All the darkest corners of a sense
I didn't know.Just for one moment,
I heard somebody call,
Looked beyond the day in hand, there's nothing thereat all.
Now that I've realised how it's all gone wrong,
Gottas find some therapy, this treatment takes toolong.
Deep in the heart of where sympathy held sway,
Gotta find my destiny, before it gets too late.
(Joy Division - Twenty-Four Hours )


Azar no jogo… e a sorte, onde foi parar?


Os letreiros da fachada são sempre enormes, e a entrada é rápida e indolor.
Todos estão concentrados nos caça-níqueis e nos jogos eletrônicos .Mas na outra sala há centenas de mesas abaixo da penumbra de cigarros e senhoras atentas.
Se perdeu por uns segundos , mas na rodada seguinte a obsessão achou seus números.
-Falta só um para a linha e seis eu faço bingo!
-Essa é a ultima chance, não dá mais tempo.
2,4,6...
A cartela está cheia de pares e as esperanças estão todas vencidas.
É hora de desistir e parar o jogo.

Friday, November 10, 2006


Alphagraphics 24 horas


21h00
- Oi, estou atrasada.
E ai, conseguiram pegar a prova?
- A gente revisa ali no Giraffas.
22h07
-Podemos falar com a diagramadora?
-Ela chega às 22h30.
22h38
-É aquela que entrou correndo?
-Ah vamos dar um tempo pra ela.
-Vou fumar um cigarro.
22h49
-Senhor, elas estão aqui há muito tempo esperando.
-Mas são só uns detalhes.
-Que absurdo, querendo passar na frente.
-Aposto que ele ia deixar a gente esperando meia hora.
-Ainda bem que o moço da gráfica nos defendeu.
23h15
-Pode subir e mudar o que está errado.
-Gente, é rapidinho ta, senta aí.
1h29
-Qual o anuncio que eu coloco?
-Qualquer um, pelo amor de deus.
-É, pode ser de supositório,
lentinhas, fralda, é tudo a mesma coisa.
-O curso é Jornalismo, esqueceu?
2h48
-Ai quase me perdi nos porões da gráfica tentando achar o banheiro.
-Parece aqueles pesadelos que eu nao consigo sair do lugar.
3h54
-Vamos comigo pegar o carro?
-Tá vendo aquela loira bêbada ali na frente?
-Nossa, tá todo mundo igual.
-30 pessoas saindo da balada trançando as pernas e falando enrolado.
-Parece o clipe do Michael Jackson da volta dos mortos vivos.
-O que a gente não vê quando estamos sóbrias!
-Ainda bem que tem aquela vaga ali do lado da gráfica.
-Não acredito que um caminhão de lixo te cortou e pegou o lugar!
5h02
-Olha gente, nós somos muito sortudas,
começou a chover só agora que entramos no carro.
-Acho que eu vou assassinar um funcionário com o uniforme da Alphagraphics na rua.
e 5h25
-Gente, olha aquele moço carregando um quadro de lado.
-Não dá para ver os pés dele.
-Eu juro que é um quadro andando.
-Precisamos dormir.

Wednesday, November 08, 2006




"...E a liberdade é a unica coisa que te prende aqui ..."

Tuesday, November 07, 2006

"...Não pode ser levado o que não se encontra..."

Monday, November 06, 2006

"Cuidado com o que deseja...
...pois você pode conseguir…"

Wednesday, November 01, 2006



"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu."

Fernando Pessoa

Monday, October 30, 2006

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."
Clarice Lispector

Friday, October 27, 2006

7h35
Acordo.
Sem despertadores, celulares, ou alguém que entra no quarto.
Tento levantar dos pesados cobertores.
Te vejo .
Você sofre , você sorri e chora , enquanto corre pela casa.
Tenta me dizer algo, mas o som não sai.
Seu olhar é de desespero, e desolação.
A cena do quarto acaba.
Um homem sai.
Você surge em vozes novamente.
Ouço no meu quarto.
Abro a janela.
Vejo você flutuando lá fora.
A cena me assusta mas eu não saio dali.
Desço correndo e tento fazer algo.
Pessoas me puxam com medo, e nos trancamos num outro quarto.
Você grita e emite sons estranhos, enquanto arranha a porta.
As pessoas choram, porque não sabem o que fazer.
Querem te matar.
Abrem a porta.
E você está irreconhecível...
Eu sinto medo, mas quero te ajudar.
E no final estamos num campo enorme.
Várias pessoas sentadas observam.
Nenhuma palavra é dita.
No final eu morri.
Você também.
Mas eu ainda vejo a cena.
Nós nos matamos.
Seu pescoço tem cortes profundos
Vejo nitidamente.
Um tufo de cabelo cai da minha cabeça, e vejo o sangue cair na grama verde.
As pessoas saem dos muros e se amontoam ao nosso redor.
8h18
Acordo com o susto.
Foi só um sonho...



Wednesday, October 25, 2006


Algumas vezes resfriados são mais incômodos do que gripes.
Algumas vezes o sono bate logo quando se acorda.
Algumas vezes o machucado dói quando cicatriza.
Algumas vezes um paciente morre depois que a doença foi eliminada.
Algumas vezes um suicida se arrepende quando pula da ponte.
Algumas vezes a chuva volta quando o sol sai.
Algumas vezes a comida do congelador queima após segundos na panela.
Algumas vezes o cão não reconhece o dono.
Algumas vezes o ônibus não passa durante horas.
Algumas vezes aparecem rugas em crianças.
Algumas vezes gatos gostam de banho.
Algumas vezes há aplausos antes do fim.
Algumas vezes senhas são descobertas.
Algumas vezes pássaros andam.
Algumas vezes lágrimas param no meio da face.
Algumas vezes relógios atrasam-se.
Algumas vezes o transito fica silencioso.
Algumas vezes manchas de pó não saem.
Algumas vezes a unha não cresce.
Algumas vezes o giz não pega.
Algumas vezes padres são exorcizados.
Algumas vezes todos falam ao mesmo tempo.
Algumas vezes os olhos não piscam.
Algumas vezes o chão não suja.
Algumas vezes o cigarro apaga sozinho.
Algumas vezes placas não indicam.
Algumas vezes drogas não fazem efeito.
Algumas vezes velhos querem brincar.
Algumas vezes plantas não morrem.

Tuesday, October 24, 2006

"...Ame uma pessoa quando ela menos merece...
pois é quando ela mais precisa..."

Frase que ronda nicks, e emails com mensagens sentimentais em power point...
Mas é a pura verdade, dificil de fazer.

Monday, October 23, 2006


Para não quebrar a brincadeira....



O coelho maligno dos 6 segredos:

Eu tenho medo de dormir no escuro e no silencio absoluto.

Eu já quebrei a cama da minha irmã de pirraça depois de pular em cima até quebrar o estrado e cair no chão.(eu tinha 8 anos )

Às vezes eu choro quando estou feliz, e dou risada quando estou triste.( não se trata de falsidade, apenas reações contrárias e complexas)

Se pudesse passaria horas olhando para o céu da janela.

Eu e dois amigos,gostavamos de jogar, todas as noites, os pneus que ficavam do lado de fora da borracharia da avenida, e ficavamos olhando até eles chegarem no fim da rua. (isso foi na época de escola, o borracheiro tinha que recuperar todas as manhas os pneus , mas nunca descobriu quem jogava..)

Eu tenho problema de audição no ouvido esquerdo.

Os próximos:

http://endorfina8.blogspot.com/

http://cantodoinsano.zip.net/index.html

Wednesday, October 11, 2006

Rastros



...E procurou encontrar pistas por onde ela poderia estar.
Revirou armários, cadernos e roupas de quatro bolsos que ainda estavam pelo chão.
Vasculhou seus diários, leu suas receitas médicas, olhou bem para o seu cachorro.
Perseguiu taxistas, credores, assassinos e professores.
Visitou hospícios, casas de arte, bares e cabines telefônicas.
Cheirou as marcas dentro dos seus livros e passou a mão entre travesseiros.
Quebrou garrafas, jogou tapetes e lençóis para o alto.
Decifrou códigos, escutou CDS, varreu o chão.
Esteve em tribunais, e em corredores gélidos.
Gritou seu nome na rua, tocou campainhas e ateou fogo em casas abandonadas.
Perguntou para o louco, chorou ao lado de vendedores de capas de chuva.
Observou crianças e descansou sobre túmulos.
Parou carros no farol, gesticulou veemente, desesperou-se.
Pulou em rios, subiu trinta andares, e se escondeu até o eco dos seus passos silenciarem.
Mas nunca mais a encontrou, pois ela mesma estava perdida...

Monday, October 09, 2006

A folha pesa no chão molhado pela chuva.
Quando o vento é contrario, tenta se fixar do outro lado.
Em meio a outros papeis, perde a sua leve liberdade.
Quando se prende entre portões de ferro, ela fica ali, suspensa, mas presa.
Rasgada, pisada, amassada ou picotada, ninguém a reconhece como já foi um dia.
Com escritos confusos, ao passar do tempo que apaga as suas linhas.
Dobrada, dividida, sempre esconde o texto inteiro.
Entre livros é vulnerável a perdas, ou quedas.
Quando segurada entre os dedos, ela se contorce, quando solta, ela foge.

Thursday, October 05, 2006

Não vai doer,só preciso tirar 10 ml de sangue.


Pra ver porque as tonturas, essa fraqueza e a palidez repentina.
Aí descobrimos como está a taxa de colesterol, a diabetes e os glicídios.
Senta aqui , você vai sentir um barulho ensurdecedor, mas não tira o aparelho do ouvido.
Entra dentro da cabine, e levanta a mão cada vez que ouvir o som, por mais baixo que pareça.Não está ouvindo nada agora?
Isso, encoste bem na cadeira, não puxe os eletrodos, preste atenção nas luzes vermelhas que passam no painel, sem mover a cabeça e sem piscar.
Olhe fixamente na luz até ela sumir da tela preta e volte o olhar quando outra surgir no canto direito.
Agora você pode ficar um tanto tonta, vou girar a cadeira para ver como está seus reflexos.
Qual o nome da fruta que mais gosta? E a de que não gosta?
Você estuda onde? Onde trabalha?
Agora deite , vai soprar um vento gelado no seu ouvido esquerdo, e você pode ficar ainda mais fraca.
Qual o nome da revista?
Você tem namorado? Ah, é bom ficar solteira né, você é nova...
Bom, agora ouvido direito,você pode sentir o corpo mover-se para o lado esquerdo, mas fique calma.
Fale o nome de um garoto que você gosta.
E de uma garota.
O que você sente agora? Muita tontura?
É a mesma sensação que costuma ter?Mais forte...

Parecia que estava bêbada, saindo de uma sessão espiritual, em que o pai de santo vestido de branco, no caso a médica, estava querendo saber detalhes da minha vida, desde a fruta que eu gosto até como está minha vida amorosa. Mas sei que estas perguntas “óbvias e fáceis de responder” eram para me manter acordada, pois eu estava quase desmaiando,na fase lisérgica do exame.
Tentei me sentir bem quando ela pediu para eu abrir os olhos, olhar para o teto branco e imaginar qualquer imagem que me viesse à mente.
Mas em seguida, ela pediu para que eu abaixasse a cabeça e ficasse alguns segundos assim, até eu voltar ao normal.
Naquela cadeira mais alta, com todos aqueles eletrodos na minha cabeça, me senti como uma nova criação da medicina.Alguma anomalia humana, ou um ser muito perigoso para a sociedade. Talvez eu levaria alguns choques ainda, porque a cadeira era idêntica àquelas usadas para criminosos indiciados a pena de morte.
No final do exame, ela me entrega o envelope, que deve ser levado ao meu medico no dia da consulta.
Na conclusão estava:
“Síndrome Vestibular Periférica Irritativa Bilateral”
Pesquisei na internet e achei isso: “Os pacientes com SVPIB apresentam prejuízo na qualidade de vida, em relação aos aspectos físicos e emocionais.”
Bom, não vou tirar nenhuma conclusão até a próxima consulta, mas acho que depois disso eu seja isolada do mundo, ou alguém descubra enfim, que eu não sou daqui, e me mande de volta ao meu planeta de origem.

Wednesday, October 04, 2006

Dorme em paz...



Todos podem agora descansar.
Com luzes acesas ou rádio desligado.
No silêncio e com as cortinas amarradas.
Ao latir dos cães e com os pés para fora do lençol.
Não leva muitas horas do dia e ainda renova a pele.
Ajuda no raciocínio e pode até reduzir alguns quilos.
Tudo isso é de graça e não precisa de muito.
Uma cama, um colchão, um muro, uma rede...
E o que resta para todos é somente isso.
Para o pai que vê o filho passar fome, alivio.
Para o milionário que não tem sono, desespero.
Para quem não tem nada, mas o suficiente, a falta.

Tuesday, October 03, 2006

Íris




Vejo as placas de transito, igrejas, oficinas e de compradores de ouro.
Vejo o fim de rua quando ela começa.
Vejo a fome descalça com um bilhete na mão.
Vejo a sujeira quando tudo está limpo.
Vejo a conclusão de um muro inacabado.
Vejo o desenho da fumaça.
Vejo o medo nos sorrisos.
Vejo a pressa dos pés imóveis.
Vejo o tempo passar nos papéis que se movem no chão.
Vejo o som quando leio.
Vejo cenas em azulejos bicolores.
Vejo luzes nas calçadas úmidas pela chuva.
Vejo a sombra antes de mim.
Vejo o sono quando o sol é refletido na TV do meu quarto.
Vejo conversas entre cabeças.
Vejo coragem na sutileza.
Vejo sobras onde falta.
Vejo listras entrelaçadas.
Vejo o mesmo quando surge.
Vejo desespero nas costas retas.
Vejo brigas entre abraços.
Vejo passos quando escuto.
Vejo chuva em seus cheiros.
Vejo insegurança em regras.
Vejo tudo, e isso cansa todos os sentidos.

Monday, October 02, 2006


Loja de Departamentos

E quando está triste, ela gosta de comprar roupas para crianças que não tem.
Olha cada peça e suspende no ar pra ver como fica.
Ursinhos de pelúcia, sapatos, bolsas de todos os tamanhos, macacões rosa, azul claro e amarelo.
Cores tão suaves, nada chamativo.
Como se os bebês não fossem um dia se deparar com o que há de gritante no mundo.
Vasculha todas as seções.
Agora tem até mini casacos de tricot, aqueles na altura da cintura, para crianças de quatro anos.
Chega a ser engraçado, mas de péssimo mau gosto vender modelos de mulheres adultas em tamanho mini. Não gosta, mas depois disso volta para os rosas.E para menina é ditador: a tonalidade impera pelos cabides.
Como a sua mãe a vestia sempre de vermelho?Lembra que ela mesma costurava suas roupas. Colete, shorts, camiseta, saias, calça de moletom. Tudo na mesma cor ou com o tom em detalhes.
Vai até a farmácia com seu vestidinho rosa embalado para presente.
Pergunta para o garoto do caixa:
-Tem cartão para a Vivo?
-Tem só de 21 e 35.
-Vinte e um!!!?? Como assim..!!?!
-É por causa da promoção dos torpedos... Sabia que meninas que tem o cabelo vermelho não costumam se abalar com nada? Se joga, gata! Vai o de 21 mesmo?!

Thursday, September 28, 2006

Tão direta como as águas de um rio turvo


Hoje de manhã acordo de novo atrasada, olho para o relógio e pela 4ª vez da semana levanto as 9h00, desesperada com esse meu sono profundo que não me deixa mais levantar e que some durante a madrugada. Será isso insônia? Eu defino como morbidez matinal, porque é quando o sol invade minha janela e as cortinas do meu quarto, o momento que eu não consigo sair da cama mesmo, e isso nem atribuo ao frio ou a qualquer outro motivo neurológico, distúrbios no sistema límbico, ou ainda uma doença psicossomática.
Acho que é a vontade de ficar por entre as cobertas para sempre. Depressão? Suicida? Maníaca.,Neurótica? Não, não, dessa vez esses sintomas estão longe daqui, o que há é apenas uma fadiga sobre humana da mesma espécie, é algo anestésico, mas ao mesmo tempo dolorido, é um sarcástico que deixa feliz, e dessa vez não traz mágoa, é vontade de
ficar numa ilha deserta e pedir socorro por sinais de fumaça, mas depois fugir do resgate. É um sorriso verdadeiro dessa vez, sem cinismos mas que se assusta com ele próprio.
É uma raiva do mundo, mas uma emoção saudável dessa vez, pois não está intrínseco entre meus rins, como o ódio, que implica em angustias. Eu ainda posso aqui, nessa calçada, ter um transtorno físico agudo ou um derrame, mas será somente isso, porque dessa vez não estou com ódio, porque o ódio consome o equilíbrio interno cronicamente, e é compatível com o câncer, com arteriosclerose, com as diabetes e hipertensão crônica. E eu ainda inexplicavelmente quero viver muito e me vislumbrar com essas feições decadentes em todo lugar.
Pessoas que varrem a calçada dão bom dia, outras estão felizes com um batom que acabam de ganhar, há aquelas que se animam com a família, trazendo novidades pra quem não quer ouvir, e há ainda todo o tipo de entusiasmo ou irritação que não me comove e me deixa com lágrimas travadas na falta de fluidos em minhas glândulas oculares.

Sábio é o louco que discute pela rua com seus pensamentos sem desesperos por não fazer se entender...

Wednesday, September 27, 2006

Ventos contrários



A liberdade aprisiona quem por ela é solto, pois fica limitado a seus conceitos, e não há ninguém que o prenda porque está fadado aos erros e acertos por si mesmo.
Ser livre machuca, e por isso exige cuidado intenso com as próprias asas que por não serem podadas ou ensinadas, quebram tudo por onde passam e desequilibram o céu ao alçar vôos sem meta, guiados apenas pela paixão de seus destinos.
... E se perdeu lá em cima, levantou e quis cair de novo, e assim vai ser até cansar da queda ou quando perder as suas duas asas.
E assim toda coragem fragiliza, enquanto a vulnerabilidade carrega o perigo de ferir...

Thursday, September 21, 2006

Presentes sempre no passado






"...E a mudança ocorre constante, perdendo assim, toda essência do que um dia foi..."








Thursday, September 14, 2006



Fuma o cigarro até o filtro como se fosse a única coisa que tivesse entre as mãos, e que te traz segurança.
E na hora de jogar ali de cima, sente de novo o vazio, e elas voltam a tremer...

Wednesday, September 13, 2006

"I'm pulling down questions from my shelf
I'm asking forgiveness
I ain't asking nobody but myself
and I want you to know this
(...)
You rightfully threw a box of toys
that were handed down to me just take out the ones you brought and then
give the rest to my family
I'm gonna go back to school today
but I'm dropping myself off
I'm throwing the childhood seat away
I'm through ripping myself off
I'm done ripping myself off ..."
The Raconteurs - Broken Boy Soldier



Sobre a mágoa




O tempo passa rápido e me atormenta em meio a tantas coisas para tirar do lugar. Enquanto corre lentamente , preciso que ele acelere essas horas.
A mágoa, - misto do ódio e a angústia-, já não existe mais, pois abrandou a raiva, e sobrou só a tristeza.
Quando o perdão ocorre consciente e de fato, os rancores dão lugar à compreensão. Mas onde há redenção por pensamento, e se sabe os motivos das ações ,mesmo sem entender, a ausência de questionamentos da lugar à esse vazio.
O tempo apaga marcas, mas enquanto não o faz, machuca...

Tuesday, September 12, 2006

Deixa!
...disso


Disco
Disléxico
Desprende

Despretensão
Deprava
Demais

Destrói
Devaneios
Depressivos
Distrai
Divaga
Delimita
Dependente?
De
cai
De flaciona
Dever...
mên
De cia
De
sco la
Desproporciona
Demanda

Desponta
Desvairada
Docas >Drogas Dopas Dorme
Doma Dói =DigaDicasDribla
Debates
Duvidas

Dupla
Ducha
Dádivas

Doa
Daqueles
Dardos
Decadentes

Monday, September 11, 2006

-Ai!



-O que foi?
-Um bicho me mordeu
-Onde?
-Aqui no antebraço
-Olha ele aqui
-Pronto
-Coitado
-Ah , azar o dele, quem mandou me morder?
-Mas ele não morreu
-Deixa ele se contorcendo
-É por causa da asa
-Ela é dura
-Deve ser maribondo
-Foi a mesma dor do cigarro quando queima
-Você nem percebeu
-É, deixei , quando vi, tava vermelho
-Você tem tolerância para a dor
-Não!
-Só gritou depois
-Eu tava sentindo, mas não tinha chegado ao final
-E precisa esperar acabar?
-Sim, precisava saber de onde vinha a dor
-E descobriu que foi o maribondo
-É, ai eu podia reclamar da dor do maribondo.Antes eu não sabia porque tava doendo.
-E por isso precisava sentir?
-Ninguém gosta de sentir dor
-Você só não foge dela
-Por quê?
-Porque dói...

Friday, September 08, 2006

Folhas no telhado




Os ventos mudaram a direção na última noite.
E a porta da entrada que estava só encostada, bateu algumas vezes, na tentativa inútil de ficar trancada definitivamente.
Um sopro gelado se confundia com brisas quentes que invadiam toda a sala.
As cortinas dançavam uma seqüência leve de movimentos que só aquele momento poderia registrar.
Os tapetes até tentavam se desprender do solo, mas o vento era suave demais para chegar ao chão.
Só os tecidos em situação elevada eram capazes de serem atingidos, mas ainda assim, permaneciam intactos e inabaláveis.
Era inverno, mas a mudança da rotatividade do planeta fez com que desconhecidos fenômenos da natureza aquecesse aquele lugar.
E era preciso deixar a porta ainda encostada, porque ao contrário dos dias comuns de inverno, o vento era necessário para manter aquela temperatura.

Wednesday, August 30, 2006

Nasci no mesmo mês em que Marilyn Monroe, a musa da década de 50, se suicidou, em sua casa após ingerir álcool com alguns comprimidos. Supostamente suicidou-se também, em Agosto de 54, o então presidente Getulio Vargas, com um tiro na cabeça.
Mas não é só de suicídio que figuram os mortos desse mês: Em Agosto de 1888, morre Mary Ann Nicholls, primeira vitima confirmada de Jack, o Estripador.
No ano de 1997, a princesa Diana, sofre um acidente terrível de carro depois de uma perseguição de um paparazzi.
Apesar de todas essas tragédias, no mês de agosto não houve em sua maioria óbitos de pessoas públicas, mas nascimentos, como de Calígula, o famoso Imperador Romano.
Há alguns anos, em 23 de agosto, bandidos assaltaram um banco em Estocolmo na Suécia, e as vítimas mulheres, casaram posteriormente com os respectivos. Desse episódio ficou conhecido a "síndrome de Estocolmo" termo utilizado por psicólogos que definem a patologia de algumas pessoas estarem propensas à "paixão bandida".
Para se ter idéia de como toda a desgraça começou, os romanos acreditavam na existência de um dragão enorme, horrível, que, cuspindo fogo pelas narinas, passeava no céu durante todo o mês de Agosto.
As mulheres portuguesas não casavam nunca no mês de agosto, época em que os navios das expedições zarpavam à procura de novas terras. Casar em agosto significava ficar só, sem lua-de-mel e, às vezes, até mesmo viúva. . Na cidade de Nova York, no dia 6 de agosto de 1890, o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica.
No dia 1º de agosto de 1914 começou a 1ª Grande Guerra Mundial. Em 2 de agosto de 1932, Hitler assume o governo da Alemanha. Mais de duzentas mil pessoas morreram nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, quando as cidades de Hiroshima e Nagazaki foram destruídas pela bomba atômica. No dia 13 de agosto de 1961 foi iniciada a construção de um muro, em Berlim... Bom, eu sei, repeti o mesmo texto do ano passado, mas com algumas inclusões na pesquisa...
E um dia antes de completar 25 anos, estou mais negativa do que nunca.
Mas é que acabei de voltar do hospital. Hoje de manhã, em uma das minhas crises alérgicas, eu tossi tanto que travei a coluna. É, a coluna travou. Não conseguia voltar a posição normal e tive que ir ao médico, para tomar inalação e injeção.
Acho que ate amanha dia 31 de Agosto de 2006, estarei melhor.
Porque apesar de toda essa nuvem cinza que paira sobre esse mês, eu nasci no ultimo dia, quando as sombras vão sendo dispersas, e um sol tímido, aparece no horizonte...

Monday, August 28, 2006

1x1




Uma garrafa de água pela sede
Um copo de cerveja por um cigarro
Um intervalo por uma fofoca
Um casaco por uma ventania
Uma bronca por um motivo
Um tapa por um descontrole
Um grito por uma raiva
Um beijo por uma vontade
Um passo por um caminho
Uma dor por machucado
Um olhar por alguém
Uma lagrima por uma face
Um acidente por um descuido
Uma culpa por um remorso
Uma tristeza por música
Uma colher por xícara
Uma saudade por pensamento

Um coração por um suspiro
Um susto por uma emoção
Um sorriso por rosto
Uma mesa por jantar

Um cansaço por corpo
Um clique por janela
Uma volta por minuto
Um café pela manhã
Um abraço pelo momento
Uma pista para dançar
Uma lua por noite
Um
Único
Universo
Único.
Não há relatividade.
Quando é um por um.
Pode ser mais.
Mas enquanto dura o momento,
Um é sempre um.

Thursday, August 24, 2006

A velhinha ranzinza dentro do quarto dos livros empoeirados


Foram décadas de espera e finalmente uma das suas obras foi publicada,
e seus amigos que não a visitavam há muito tempo iriam até a sua casa, em uma cidade no leste da França.
Ela chegou às escadas, abriu a leve porta com algum esforço, porque naquela época do ano, alguns blocos de neve entravam na cozinha, por baixo da porta.
Colocou sobre a mesa as sacolas das compras e foi até o bar no sótão, pegar uma garrafa de whisky Glenfiddich 21 anos.
Quando subia a escada de cascalho cinza, olhou para o fundo da geladeira aberta, e viu que havia umas cinco garrafas daquelas vazias no chão.
Pensou em agachar rapidamente, mas logo puxou seu casaco verde musgo e fechou, como se estivesse se conformando da perda da resistência física e muscular.
Ela conseguia esticar o braço até o fim da mesa de madeira pinhão para pegar o seu cigarro. Enquanto o isqueiro tentava acertar uma chama ela olhava de novo pra baixo da geladeira e do armário do lado, e lembrava de quando uma dose de whisky daquela era tão cara para os seus poucos trocados que carregava sempre em uma bolsinha de mão preta, pelas ruas de um outro país.
Sentou com um pouco de cansaço e colocou a base da palma da mão direita sobre a testa, com o cigarro já acesso entre os dedos. Assim sempre fez quando tentava achar a solução dos seus tantos problemas .Alguns reais, outros rondavam ficcionalmente aquela mente tão confusa e infantilmente madura.
Percebeu que nada havia mudado ali dentro, apenas as garrafas, que ficavam ali, sem ninguém reclamar do quanto estava bebendo ou de quanto tinha gasto.
Assim adormeceu, e despertou com algumas luzes do sol que se refletiam pelas arestas da sua grande janela, e a faziam tossir compulsivamente por 5 minutos seguidos.
As janelas que ela tanto amava agora a atacavam com punhais de uma estrela não tão bem quista desde os dias de sua juventude.
Apoiou as mãos frágeis sobre a mesa e foi andando até a sua cadeira de madeira naquela sala escura e displicentemente iluminada.
Abriu uma fresta da cortina e ficou atônita de como a temperatura havia mudado de um dia para o outro.
Andou até o corredor para ler novamente um dos seus livros esquecidos na estante empoeirada.
Passou por algumas páginas e lembrou que sempre foi ranzinza, mesmo quando suas palavras pareciam sorrir.
Devolveu o livro naquele monte de pilhas de pó e preciosidades e resolveu tomar um chá antes de receber os amigos.
E a sua intuição voltou a funcionar: foi só pensar naqueles que dividiam a sua volúpia em anos retrógrados, que logo ouviu as vozes a chamando na sua porta.
Passou pelo corredor dos livros empoeirados e a crise compulsiva da tosse voltava com muita força. Sem conseguir olhar para o chão pelos espasmos, não percebeu que uma garrafa de whisky vazia estava sobre uma pedra de neve e gelo, que haviam adentrado pela sala na noite passada, quando deixara a janela aberta.
Mas o sol, que tanto a perturbava pelas manhas, derreteu aquela frieza, e quando encostou seu chinelinho de tafetá vinho na garrafa, a tosse a confundiu e ela escorregou, batendo a cabeça no vidro da porta da sala, e caindo brutalmente no chão das escadas.
As pessoas inconformadas depois da tragédia comentavam entre si: as garrafas realmente mudaram o rumo de sua vida ...

Monday, August 21, 2006

Sopa de Letrinhas



…E na infância ela gostava de fazer montinhos de arroz. Molhava com o suco e criava montanhas de gelo imaginárias.
Conversava com o boneco de neve quando, no mesmo montinho, colocava pedaços de almôndega para ilustrar a boca e os olhos dois grãos de feijão preto. No centro, um pequeno pedaço de cenoura, representava um nariz congelado, quase vermelho, ainda laranja.
Sempre roubava do armário aveia Quaker e adicionava água, dizendo que era um novo tipo de cosmético para o rosto de suas bonecas.
Misturava vários tipos de refrigerante para ver que cor ficava no final. Isso tudo dentro de uma garrafa, deixava em cima da mesa e abaixava o rosto nessa altura, imaginando que as cascas de pão francês que ficava embaixo da garrafa, eram pessoas lá dentro, dançando em uma espécie de submarino moderno, com o patrocínio da Fanta ou Crush, na época.
E a mãe sempre brigava, e tentava convencê-la que as brincadeiras com a comida deviam se restringir às palavras e frases criadas com as letrinhas coloridas da sopa.
Mas ela ia além, e continuava a brincar com todo tipo de alimento...
...Hoje, seus romances não duram muito tempo...

Friday, August 18, 2006

Foi publicado recentemente no site do Mundo Estranho, algumas síndromes mais esquisitas.
Achei que eu já havia me superado...

SÍNDROME DE RILEY-DAY
As vítimas dessa doença não sentem dores, mas ficam muito mais sujeitas a sofrer acidentes porque param de registrar qualquer aviso de dano nos tecidos do corpo, como cortes ou queimaduras. Sem o aviso de perigo que a dor proporciona às pessoas comuns, a maioria dos doentes com a síndrome de Riley-Day tende a morrer antes dos 30 anos, por causa de ferimentos.
SÍNDROME DE COTARD
Depressão extrema, em que o doente passa a acreditar que já morreu há alguns anos. Ele acha que é um cadáver ambulante e que todos à sua volta também estão mortos. Em casos extremos, o sujeito diz que pode sentir sua carne apodrecendo e vermes passeando pelo corpo... Na fase final, a vítima deixa até de dormir e sua ilusão pode efetivamente se tornar realidade. Apesar de depressivo e certo de que está morto, o doente, contraditoriamente, também pode apresentar idéias megalomaníacas, como a crença na própria imortalidade.
MALDIÇÃO DE ONDINA
O nome é uma referência a Ondina, ninfa das águas na mitologia pagã européia. A doença faz com que as vítimas percam o controle da respiração.Se não ficar atento, o sujeito simplesmente esquece de respirar e acaba sufocado! A síndrome foi descoberta há 30 anos e já existem cerca de 400 casos no mundo. O sistema nervoso central se descuida da respiração durante o sono e o doente precisa dormir com um ventilador no rosto para não ficar sem ar!
PICA
Esse nome também estranho não tem nada de pornográfico: pica é uma palavra latina derivada de pêga, um tipo de pombo que come qualquer coisa. A síndrome faz exatamente isso: a pessoa sente um apetite compulsivo por coisas não comestíveis, como barro, pedras, tocos de cigarros, tinta, cabelo... O problema atinge mais grávidas e crianças. Após comerem muita porcaria involuntariamente, os glutões ficam com pedras calcificadas no estômago.Em 2004, médicos franceses atenderam um senhor de 62 anos que devorava moedas. Apesar dos esforços, ele morreu. Com cerca de 600 dólares no estômago...
SÍNDROME DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
Doença que provoca distorções na percepção visual da vítima, fazendo com que alguns objetos próximos pareçam desproporcionalmente minúsculos. O distúrbio foi descrito pela primeira vez em 1955, pelo psiquiatra inglês John Todd, que o batizou em homenagem ao livro de Lewis Carroll. Na obra, a protagonista Alice enxerga coisas desproporcionais, como se estivesse numa "viagem" provocada por LSD. As vítimas da síndrome também vêem distorções no próprio corpo, acreditando que parte dele está mudando de forma ou de tamanho.
SÍNDROME DA MÃO ESTRANHA
"Minha mão agiu por conta própria..." Essa desculpa usada por alguns cafajestes pode ser verdadeira. A síndrome em questão alien hand syndrome, em inglês faz com que uma das mãos da vítima pareça ganhar vida própria. O problema atinge principalmente pessoas com lesões no cérebro ou que passaram por cirurgias na região. O duro é que o doente não presta atenção na mão boba, até que ela faça alguma besteira. A mão doida é capaz de ações complexas, como abrir zíperes... Os efeitos da falta de controle sobre a mão podem ser reduzidos dando a ela uma tarefa qualquer, como segurar um objeto.
*descrições das síndromes por Marcelo Bortoli.

Thursday, August 17, 2006

Éramos...?



...E agora é só você aqui.
Pra subir essas escadas, e apagar todas as luzes. Fechar a porta do corredor, da sala e do quarto.
Para reclamar consigo mesma, do barulho que faz quando chega.
Ninguém mais vai bater na parede ao lado ou gritar. Porque não tem ninguém no cômodo ao lado.E no seu quarto já se foram dois há muito tempo.
Ainda há o mesmo casal, deitado no quarto da frente.
Mas hoje, depois de uma semana do portão fechar, você percebeu que está, de uma vez por todas, sozinha. Você ficou por ultimo.
Eles passaram, e nada mais volta, embora não pudesse ser diferente, você se espanta.
E uma súbita e estranha carência faz voltar imagens à sua mente.
Cadeados no guarda-roupa.
Bebidas indo pelo ralo.
Lágrimas compartilhadas.
Cartões de natal pedindo desculpas.
Sessões de filme sábado à tarde.
Pudim de leite moça.
Hematomas.
Barulho de salto pela escada.
E como foi difícil eu acostumar a dormir sozinha naquele quarto.
Porque sempre tinha alguém para apagar a luz pra mim, e a perguntar no meio da noite se tava tudo bem quando eu gritava enquanto tinha um pesadelo.
Tinha alguém pra me defender nas brigas do colégio.
Tinha outro alguém pra me dar de presente roupas roxas desde criança.
Pra me inspirar com seu cabelo raspado e suas roupas estranhas.
Pra me assustar como no dia em que tentou ir embora de vez.
Você vestia um roupão amarelo, e não saia daquele quarto cinza... que assim continua, mesmo quando abro a janela.
Você sorriu e disse:
-Está tudo bem, vai ficar tudo bem.
Eu tinha 8 anos ou menos e vi você acabar com seu estoque de calmantes.
E agora você diz a mesma frase, só de olhar pra mim, enquanto desabafo todas aquelas coisas que esquece às vezes.
Já você me faz falta pelo equilíbrio que eu nunca tive.
E mesmo quando eu te achava fria, eu tentei ser igual você.
Eu queria ter controle das coisas, ou ao menos parecer, assim como você. Saber de todas as respostas, não demonstrar desespero, ter voz firme pra falar o que as pessoas precisam ouvir, até o fim, sem perder o rumo da discussão.
Eu lembro de você pelas músicas que ouvia, pelos filmes de terror e desenhos.
Eu lembro de você quando conheço pessoas muito calmas, que me transmitem segurança.
Eu lembro das suas mãos frias e suadas, mas que eram mais seguras que qualquer coisa para mim.
E o ultimo, já me faz falta, por mais esquisito que pareça esse sentimento, depois de tudo... Todas as palavras não ditas, todas as conversas que não tivemos, vão ficar aqui, na minha memória. E eu vou lembrar delas , como se tivessem acontecido, para eu nunca, esquecer de você.

Tuesday, August 15, 2006



Sobre o nada



Uma garrafa de água, um copo grande de café.
Fica pensando no dia, as coisas para fazer, e tenta descobrir por onde começar.
Lembra de pessoas, frases, a cabeça dói e a internet saiu do ar de novo.
As mãos suam, e ela lembra do café. Ele esfriou, mas até que é bom assim.
Consegue tomar de uma vez, sem se preocupar em queimar a língua ou esquecer dele de novo, ali do lado.
As coisas instantâneas são um remédio para os ansiosos. Não tem um período, nem intervalos, só o imediato.
A internet não voltou.
Já está uma hora atrasada então resolve olhar para a mesa.
Mas ela não consegue terminar o texto.
Tinha como costume, escrito algo na noite anterior, e obviamente, pela manhã o que lê já não é o mesmo que pensa agora.
Talvez porque não deva ser declarado assim, o que passa em sua cabeça enquanto o sono não vem.
Sempre foi assim, desde criança.
Aqueles diários que declaravam uma distância do mundo, dos brinquedos, dos pais, da escola.
Eles ainda estão guardados, ali, em alguma gaveta.
Às vezes relê e se assusta em ser tão mutável e ao mesmo tempo continuar a mesma.
Ontem havia sonhado com alguém questionando os seus textos vazios e dispersivos.
Questionavam até quando teria versões do mesmo tema.
Ela dizia que enquanto a dor existisse, haveria o que escrever.
E , nos dias em que ela cessasse, falaria sobre as dores dos outros.
Porque a alegria não produz livros. Ela se esgota em si mesma, e não questiona o seu estado de espírito.
Por mais completa uma obra pareça existe sempre alguém do outro lado carregado de angustia.
E ela aprendeu que a angustia não é negativa.
A angustia incita a criar fôlego, a dizer algo, a mudar as coisas que não constroem.
Há sempre uma problemática dentro de cada um tentando achar a superação.
E a página em branco ainda não termina.
Tem dias que o que vê é só esse espaço.
Mil palavras se esgotam em sua alma e nada sai.
Há tanto o que se dizer, e milhares de possibilidades de frases, mas não se libertam.
A água esquentou e os dedos ainda estão no queixo, que mira para a tela do computador, inquieto, e inerte.
É essa a hora de uma mudança brusca de pensamentos para não se prender.
Não precisa mais de confusões, nem emoção, nem barulho, e tampouco cortes ou quedas.
Nem palavras talvez.
A página está chegando ao final e a morbidez volta a sua mente. Ficar sem falar por uma semana, duas semanas talvez, seria o ideal.
Não pronunciar uma palavra, não emitir um som... Ficar aqui dentro, pra tentar recuperar as palavras perdidas.
Mas o mundo lá fora grita, e assusta todas as conjunções, que se embaralham num esforço contínuo para dizer algo lógico e sem sentido...

Monday, August 14, 2006

Quando não sou eu mesma...


A perturbação esconde toda a paz e dá lugar àquele sorriso.
Quero correr, mas preciso ficar aqui, sob o ar.
Como olhares gélidos...
Como tudo que é estranho, e normal.
Como tudo que se esconde, e explode nos seus olhos...
Já é tarde, e agora você precisa calar todas as vozes, que silenciosas te dão subterfúgios...

Mas qual a distância?
Entre a loucura e a sanidade...
Egoísmo e altruísmo...
Liberdade e prisão...
Amor e ódio...
Doçura e maldade...
Estão todos intrínsecos e parecem não se diferenciar na multidão.

Friday, August 11, 2006











Algum lugar

A cidade vista daqui do alto do Masp parece tão pequena...
São tantos prédios e os carros com suas luzes apressadas por entre pontes e viadutos me causam conforto.
Poderia ficar aqui a noite toda. Prestando atenção em pessoas correndo apressadas, atravessando fora da faixa, motoristas fazendo retorno na rotatória, garotos com suas balas todas iguais no farol.
Dessa vez já não tenho vontade de pular daqui de cima, e ao contrário, sinto medo de cair.
Cruzo as pernas e deixo só uma dependurada no muro, que abriga casais de todo tipo, grupos que se unem por fumaça, e mendigos procurando um apoio pra dormir.
Sinto cheiro do vento, que não anuncia nada: nem chuva, nem poluição. Apenas o cheiro do ar, que em alguns raros segundos aparece puro.
Volto a pensar que isso tudo ali embaixo me assusta em sua grandiosidade que é reduzida aos meus olhos.
Parece que a cidade ficou pequena pra mim e não há como mais eu me perder.
O guarda me chama, eu não escuto.
Me perdi por alguns segundos, mas agora sei voltar.
E assim toda loucura se esclarece, toda confusão se limita em si própria.

Thursday, August 10, 2006

“Dorme em paz, já é madrugada
Não dê ouvidos aos ruídos, essa falta de ar
Meu amor, não pense mais em nada
Feche os olhos e as janelas,
Deixe o sono te levar pelo escuro
Ser donzela ou matar mil dragões
Ter cautela ou seguir furacões
Deixa o sono te levar
(...)
Já é tarde pra mais uma rodada
Seus problemas e dilemas não estão mais aqui
Tanto faz ser vítima ou culpada
Abra os olhos e as janelas
Deixe o sol te iluminar
Deixe tudo pra lá
Se teus sonhos vêm na contramão
Se teus monstros vêem na escuridão
Deixa o sol te iluminar”
(Ludov)

Se a vida tivesse botões seria tudo mais fácil: Liga, desliga pausa, voltar alguns trechos ou editar algumas cenas. Sem áudio, com áudio sem imagens, trilha e efeitos sonoros.
Se tivesse uma equipe para dar conta de tanta história, sobraria tempo pra viver também: roteirista, direção, fotógrafo, produção, elenco...
Mas a vida é essa aqui, sem pré-estréia e coquetel de lançamento.

Tuesday, August 08, 2006

A arte de dar foras
Em duas lições práticas

Você chega a uma festa que foi muito divulgada há semanas, mas fica decepcionada com a discotecagem. Várias pessoas dançam animadamente ao som de techno e como se não bastasse a sua cara de nojo, você vira para o seu grupo de amigos e desabafa, enquanto imita os outros que estão na pista:
-Isso aqui ta a cara da Vila Olímpia. Meu, que bosta de som. E olha que eu fiquei tão animada para vir.
A organizadora da festa tinha recebido vocês minutos antes, e falado coisas do tipo “se divirtam” “tem vários gatinhos aqui” “aproveitem”.
- Como eu vou aproveitar aqui? Ai que saco.
Eis que você percebe que a sua amiga tenta se comunicar com uns gestos estranhos enquanto dança na sua frente. E aí você sente alguém te puxar pelo braço e dizer:
- Não ta gostando do som? Vamos lá mudar!
A garota que organizava o evento te arrasta até a cabine do Dj.
E você tenta convencer o dj a mudar um pouco o seu set.
-Ah, eu toquei rock dos anos 80 antes de vocês chegarem.
-Ahhhhhh.. Rock dos anos 80, hum hum. Tem mais “alguma coisa” ai?
-Ah, tem, eu vou tocar então esse som aqui pra você.
-Ah que legal, nossa, não imaginava que você ia ter.
-Bom, mas daqui a algumas “horinhas” porque a “galera” ta bem “animada”.
***

-Tem um amigo do meu namorado que quer te conhecer. Eu falei pra ele conversar com você daqui a pouco. Você ta vendo ele daqui? É aquele de blusa azul.
-Humm. Não tou vendo.Ah,já sei, vou até o banheiro.
-Viu?...Nem olhou né Suzana!
-Ah, eu olhei, mas de relance, não ia encarar o menino, que eu nem sei quem é direito.
Aí eu sento no sofá da balada para ver o show. E um garoto puxa assunto:
-Você acha o baterista bonito?
-Humm.. (ele deve ser gay) Não, não achei.(longa pausa pensativa) VOCÊ ACHA?
-Acho sim, ele parece comigo.
(Nossa que xaveco mais esquisito)
-Você gostou da banda?
-Não gosto desse discurso. E vira para uma amiga ao lado e discute , em alto e bom som:
-Pra que falar pra pessoa votar nulo? Se todos do país fizessem isso até que funcionaria, mas essa hipocrisia não vai resolver nada, e som punk meio tosco não faz meu tipo e blá blá blá.O garoto espera vocês acabarem e diz:
-Ah... eu gosto...!
Sua outra amiga volta:
-E aí, vocês conversaram?
-Ai meu Deus... Acabei de dar vários foras consecutivos...
-O pior é que o baterista da banda que ele falava é o irmão gêmeo dele...

***

Monday, August 07, 2006

O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina
Ou quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina
(Chico Buarque)

Loucura...
Você vai passar, assim como aqueles deslizes calculados que fazia na pilastra.
A vulnerabilidade são luzes que se acendem enquanto dorme.
A fuga não tem sucesso, pois não entende ainda seus motivos, assim, enquanto escapam aqueles sorrisos.
E algum controle surge por necessidade. Mas aqui não tem espaço...para cálculos.
Então talvez ela se interne em um manicômio, na tentativa de um suicídio mental ao menos, para tentar entender como é o mundo lá fora.
Não saber onde começa e termina a razão, talvez seja um dos motivos. Mas ela se acostumou a ver o extremo da razão como loucura, então agora é quase irreversível.
Percebeu com o sol desta manhã, que o melhor era ficar com as palavras, que exprimem toda a insanidade, sem interromper o fluxo normal do sangue ...

Friday, August 04, 2006

-Mas por que você não tem coração?
-Devo ter, ele ta conservado aqui , dentro de um cubo de gelo.
-Não é possível. Ele nunca bateu por ninguém?Sim, bateu tanto , tanto, que quebrou.Agora conservo ele nessa temperatura.
-Vou te levar ao cardiologista.

Hoje, depois que o despertador do celular tocou umas 7 vezes, acordei com um barulho na minha janela.
A voz da minha mãe , do meu pai e do meu irmão, arrastando algo.
- Não, assim não.
-Por aqui, deixa aqui, é melhor, caramba!
-Ai meu pé!
-Eu falei pra você fazer isso outro dia.
Tentei imaginar o que seria, e a imagem que me veio à mente enquanto fiquei quieta embaixo de 4 cobertores era que eles estavam movendo algum vaso de planta enorme pela área.
Foi quando ouvi um barulho mais estrondoso. Algo muito grande tinha caído.
-AIIIIIIIIIIII MEU DEUUUUUUUUUUUSS DO CÉÉÉÉÉÚUUU...
-VOCÊ É LOOOOOOOOOOOOOOOUCO MESMO !
-Não, tá tudo bem, tá tudo bem , TÁ TUDO BÉÉÉÉM!
Ah, deixa pra lá, o vaso de planta enorme deve ter caído.Ai eu lembrei que não temos vasos enormes de planta.
Levantei correndo com um pensamento mórbido:
-Ai que saco, tive que levantar cedo da cama, acho que alguém morreu.
Abri a janela do meu quarto e vi minha mãe e meu pai levantando uma escada grande do chão e discutindo com o meu irmão que subiu na laje para arrumar uma antena, e acabou derrubando a escada enorme, que na minha imaginação fértil era terra, minhocas , e um vaso enorme de planta.
-A cachorra tá bem?
Ai , que bom, agora posso voltar a dormir.

Thursday, August 03, 2006

Todos estão de cabeça baixa e pensativa, mesmo quando conversam animadamente e gesticulam com exaustão, demonstrando energia e uma ríspida felicidade.
Pelas praças, coletivos, cafés, bares e ruas que anda, ela nota alguma necessidade de fuga, que ressurge apenas em uma parte do olhar.
A maioria não assume, nem mesmo quando vão dormir nessas noites frias. Há muita coisa para se fazer no outro dia e não existe mais tempo para se pensar em sentimentos efusivos.
As conversas precisam ser diretas, práticas e interessantes, e não há espaço para tristezas ou lamúrias. Talvez excesso de insatisfação com as suas vidas se torne chato, quando exposto, mas elas precisam nunca demonstrar, mesmo que em alguns minutos de silêncio.
E ela já se acostumou com perguntas sobre seu estado de humor, porque chora, porque pensa, porque precisa caminhar alguns minutos sozinha de manhã, antes de começar mais um dia naquele trabalho que só a entendia, e a deixa mais angustiada.
Nesses momentos não há mais o que reclamar, nem para si, pois por mais difícil que pareça sempre se pode mudar o que não está bom.
Mas ela reflete ali naquele banco um pouco molhado ainda da chuva da noite anterior, a amargura de todos que passam.
A vida é assim, como cantou Cazuza através das palavras de Cartola. Aquela musica que insiste em andar ao seu lado...

Ainda é cedo amor.
Mal começaste a conhecer a vida.
Já anuncias a hora da partida.
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar.
Presta atenção querida, embora eu saiba que estás resolvida.
Em cada esquina cai um pouco a tua vida.
Em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem amor.
Preste atenção, o mundo é um moinho.
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos.
Vai reduzir as ilusões a pó.
Preste atenção querida.
Em cada amor tu herdarás só o cinismo.
Quando notares estás à beira do abismo.
Abismo que cavastes com teus pés...

Wednesday, August 02, 2006

“A minha missão, (...) é mostrar a verdade e capturar a mentira (...). Não têm inocentes: tem espertos ao contrário”.

“Isso aqui é o depósito dos restos. Às vezes é só resto, ás vezes vem também descuido. (...) Conservar as coisas é maravilhoso. Lavar, limpar e usar mais, o quanto pode. As pessoas têm que prestar atenção no que elas usam no que elas têm. Porque ficar sem é muito ruim.”

“Eu sou perturbada, mas lúcida. Eu sei distinguir a perturbação.”

“A solução é o fogo. Queimar tudo e pôr outros seres no lugar. E eu to dentro, pode queimar. Se for para o bem, para a verdade, pela lucidez de todos, eu posso ir agora, neste segundo.”

“Sabia que tudo o que é imaginário existe, e é, e tem?”

Essas frases são de Estamira, uma catadora de lixo com problemas psiquiátricos (ou sem problema algum), que virou personagem em um documentário de Marcos Prado, estreado no final de Julho, e que já ganhou 24 prêmios em festivais no Brasil e exterior.

Seu Jorge Parte II

Ontem depois de ler uns textos do Seu Jorge e ficar impressionada com a poesia, a lucidez ou a falta dela em algumas palavras que poderiam ser difíceis de surgir no seu vocabulário, quis ajudar de alguma forma. Divulgar seus escritos, conseguir fazer algo por ele, não sei...
- Ai eu queria tanto ajudar ele...
- Ajudar como Suzana? Levar ele pra sua casa? Fazer um filme com ele? Esse “assunto” já ta batido, ninguém quer saber mais.
E é verdade. Ninguém mais se interessa em historias de sobrevivência, nem como vivem pessoas na rua. A mídia já aprofundou tanto o assunto que não é mais novidade e não mais sensibiliza. A gente assiste a esses casos agora como se fosse um filme dramático qualquer.
E hoje, por coincidência ou não,quando li sobre essa mulher aí das frases acima tive a certeza que o assunto se excede, mas sempre haverá pessoas mais normais que o resto dos humanos pra jogar as verdades na nossa cara.
E essa realidade me traz uma estranha combinação de conforto e inquietude.

Tuesday, August 01, 2006

Caixinha de Surpresas


Mallboro Light
Esse produto é contra indicado para homens ou garotos que pegam no pé e ligam no dia seguinte dizendo que está com saudade.
Conseguiu uma parceria com a empresa de comunicação Nextel e ganhou o slogan “Esse é o nosso jeito”, depois que mostrou estar sempre antenado ao cotidiano.Cotidiano aliás que virou a trilha sonora da sua campanha, já que promove almoços em famílias e cuida das crianças.
Qualificações : Um grande compromisso com o meio ambiente.


LM
Esse produto é contra indicado para garotos que gostem de heavy metal e que circulam em bando de manha no Viaduto 9 de Julho.
Em alguns momentos parece muito nocivo ao usuário, mas os seus baixos teores de maldade o faz um produto de altíssima confiabilidade.
Conseguiu uma parceria com a cachaça 51 e com a Petybon, e desde então vem promovendo muitos eventos regados a caipirinha e macarrão penne.
Qualificações : Teores altamente confiáveis.

Free
Esse produto é contra indicado para mendigos ou assaltantes que desçam correndo ruas perigosas de madrugada à procura de uma mocinha indefesa.
Conseguiu uma parceria com todas as fornecedoras de vodka do mundo, mas há algumas semanas estuda algumas propostas dos distribuidores de Gin.
Muitos menosprezam o seu poder devido o tamanho reduzido, mas é capaz de manter o seu efeito alucinógeno depois de muitas horas da noite.
Qualificações : Muitos usuários relataram sensações de alegria instantânea.


Free Light
Produto instável, imprevisível e estranho. Pode causar súbitos ataques de suicídio ou homicídio, dependendo do usuário.
È contra indicado se ingerido concomitantemente com os compostos citados acima.
Os efeitos relatados após essa mistura foram:
Inquietude, ansiedade, loucura, felicidade momentânea, amor, paixão, carinho, afeto, solidariedade, ressaca, companheirismo e alegria suprema.

Friday, July 28, 2006

UTILIDADE PUBLICA

Receita anti-pulgas para cães

Refogue um pouco de alho,e misture na ração.
O alho entra na corrente sanguinea e faz com que as pulgas rejeitem esse tipo de tempero.
Muito mais econômico que shampoos ou produtos anti-pulgas.
Não e a toa que para espantar sanguessugas como os vampiros as pessoas usavam correntes de alho penduradas no pescoço.Mas elas não sabiam que deviam consumir o alho. Assim,os vampiros jogavam as correntes pro alto e usufruíam do belo pescocinho da vitima.
Populações inteiras da Pensilvânia teriam sido salvas se alguém tivesse sentado na praça na hora do almoço , e conversasse com uma mulher que não parava de falar como cuida dos três lindos cães que brincavam por ali.


Importante>>> Se você conhece alguém que não suporta o sabor do alho , fuja, pois pode ser um vampiro.

Thursday, July 27, 2006

NO2

E mais uma vez você trocou a fumaça do seu cigarro pelo gás que é expelido na sala de inalação do hospital.
Por 4 vezes, em intervalos de 20 minutos, a enfermeira volta e liga o inalador, que te conforta com mais uma dose de Nitrato de Oxigênio.
Você respira fundo e olha para todas aquelas pessoas na sala, a maioria crianças com seus pais, e se sente bem apesar disso.
Chega a pensar que NO2 é melhor que qualquer outra droga porque te deixa calma e traz de volta o ar que faltava lá fora.
E olha pra cima e vê mais fumaça: fumaça, fumaça, fumaça...
Poluição dos carros, nuvens sonhadoras, pensamentos eliminados, súbitas preocupações, ausência de cores...
Já reparou que a maioria das coisas se desintegra em seu estado gasoso e não vão embora tão cedo?
Se fosse sólido eu largaria em algum lugar, e se fosse liquido acabaria derretendo com o calor ou... virando fumaça...

Wednesday, July 26, 2006

Releituras...

Sem tempo, paciência ou pensamento?Ressucito um poema de 2005..

Paralelismos

E era o mesmo medo de engasgar com a água.
Os cachorros quando a cercavam na noite escura.
Uma tontura sem explicação.
Sentimentos inorgásmicos.
Contas que não se pagam.
Abraços se esvaem.
A música não fica.
Gritos sem retorno.
Chama de velas sem sentido.
Crescem os poros que trata.
Mutilação e vento oposto.
Fim da composição.
E o barulho de sonhos mudos.
Quer um manual que não te explique.
Chora por não precisar.
Era assim o sono inconstante.
Suave cheiro amargurado de brilhos.
Ofegante e trôpego, perfume caricato.
E era o mesmo medo....

Tuesday, July 25, 2006

Seu Jorge *

Ele cumprimentou quase todos que estavam ali no bar naquela segunda-feira.
Puxou a cadeira e sentou-se à mesa sem qualquer cerimônia.
Com as suas mãos impregnadas de graxa acendeu um cigarro e encheu o copo de cerveja.
As outras pessoas que não se viam há um tempo conversavam sobre as ultimas novidades entre elas: a viagem do fim de semana, festas, amores...
Ele ficou quieto batucando na cadeira o som que haviam escolhido na juke box do bar ao lado. Arriscou seguir uma letra do Ira, mas logo parou.Uma menina passava ao lado vendendo doce e alguém comprou e ofereceu pra ele com insistência, que acabou aceitando.Sorriu com seus poucos dentes:
-Não posso comer doce porque o dente de trás dói.
-Ah, leva para alguém.
-É, o senhor não tem filhos?
-Tenho.
-Então, leva, quando o senhor chegar em casa.
-Mas eu não vou chegar em casa hoje, eu moro em um albergue...
E começou a falar que queria voltar cedo, pois tinha que escrever uma carta para a assistente social, relatando a tirania, palavra que escolheu para definir o segurança.
-Ele esquece que já morou em albergues. Se ele sentir um cheiro de cerveja ele humilha, mas se perceber que o cara tá maluco de crack não faz nada.
Fez um gesto em V com os dois dedos e os levou aos olhos vermelhos de ódio, afirmando que seus companheiros estavam de olho nele.
-Se ele cruzar a esquina e trombar com um de nós...
Começou a relatar as dificuldades que teve para conseguir comprar um carrinho de engraxate.
Mostrou a sua imensa lista de clientes com horários, nomes e locais.
-O senhor não pára né?
-Não, nem um minuto. Mas eu prefiro assim.Quando eu era segurança de banco eu me estressava muito.Tava cansado de assaltos. Era um por semana.
Curvou-se para o lado e disse que queria voltar para sua terra: comprar um barco e ganhar a vida só com a pesca.
-Uma vez eu vi um documentário no National Geographic, sabe? Então, falava dos métodos de pesca. Eu quero voltar para Pernambuco e trabalhar com isso.
- O senhor sabe pescar?
-Não. Mas é só querer, que a gente aprende né?.... queria pescar tubarão!...Se um dia você se ver perdida no mar e tiver um tubarão vindo em sua direção, o que você faz?
-Ah.. Se eu não tiver nada na mão pra me defender eu não sei... Tento nadar... É, mas acho que vai ser inútil tentar fugir... Aí eu desisto...
-Bata no nariz dele. Disseram que o sensor do tubarão, tipo um radar sabe, é centralizado no nariz. Aí além de confundir o faro dele, vai ficar zonzo e não te ver direito... Mas você só tem uma chance de acertar...Ou acerta, ou morre.
Fiquei pensando na conclusão das metáforas que fiz com as ultimas frases e Seu Jorge foi embora, sorrindo...

*Não é o Seu Jorge do "Tive razão, posso falar..."

Monday, July 24, 2006

Estação Cidade Jardim

Desembarcou naquela mesma estação de trem para fazer integração para o metrô.Subiu as escadas apressada, pois o relógio do celular marcava 21h00 e era exatamente o horário que encerrava a integração.
Ficou descrente com a cura do seu atraso patológico, e indignada do caminho que agora teria que fazer.
Olhou ao redor e uma garota e um rapaz pareciam murmurar sozinhos e por um segundo trocaram olhares de desespero.Desceram as escadas...
- Ai, eu estou perdida.
-Agora tem que voltar para o trem que eu tava, e descer no final e depois fazer integração em Osasco e...
-Eu sempre me atraso, mas pensei que dava tempo.
- Eu acho um absurdo. Não tem uma tolerância ,logo no dia que as ondas de ataque do PCC voltaram...
-... você vai para onde?-... vamos todos para lugares diferentes mas o caminho do trem é o mesmo...Vocês tem um isqueiro?...só um minuto, vou pedir ali...
-... e depois que eu voltei para o Brasil eu já fui assaltado três vezes.
-Ah acho que não me assaltam porque eu tenho cara de maloqueira.
-... fui perseguida...e ai desde então eu não desço mais aquela rua de madrugada...
-Eu moro lá perto, mas eu só passo por lá quando eu ia no...
-Ah você ia pra lá também?Nossa que mundo pequeno...
-... É lindo...chama..Dançando no Escuro!Eu gosto da Byork, mas de musical eu prefiro os Irmãos Blues, você já viu também?
-... e para cuidar de pessoas assim tem que ter um estomago de avestruz ...
-... sempre quis aprender violão também mas minha vida sempre foi tão tumultuada, que nunca sobrou tempo pra nada, eu sai de casa muito cedo, eu tinha 15 anos, a minha mãe...
-...por que?... você tem algo contra a alguém gostar de Shiny happy people?
-Ahahahahaha...
-... ah, deixa que eu mato! Adoro matar barata.
-Nossa tem um texto da Clarice Lispector que ela fala sobre o desafio dela com as baratas...
-... e agora eu tou lendo um livro sobre a doença maníaco-depressiva, uma amiga quis me emprestar.....
-... e eu percebi que nenhuma desgraça é para sempre, se você não permitir ,porque...
- Agora eu vi... tem mil ratos ali nos trilhos..ai...eles conseguem subir até 8 andares!
-Eu sempre fico na estação olhando para eles. Se você não observar bem, é capaz de não conseguir ver...
-... eles se camuflam, é da mesma cor...consegue contar?...
-... e hoje eu estou aqui, indo para a casa da minha namorada, em paz ...
-... o ser humano é mesmo muito limitado, ele nunca vai entender certas coisas.
-... eu confesso que quando vi vocês dois ali me senti tão tranqüila, mesmo atrasada.
-... a vida é estranha né? Não sei, do nada a gente se conheceu aqui...
-Eu sei que não vamos nos ver mais, mas...por isso mesmo...eu amo vocês!

Friday, July 21, 2006

Menina-Veneno

Eu, desde criança, sempre gostei de estar no meio dos meninos.
Não por carregar algum sinal de perversão precoce, mas porque eles sempre me pareceram mais sinceros, menos birrentos e sem fricotes.
A minha opinião foi mudando mesmo porque na adolescência era complicado me manter muito tempo afastada das minhas amigas, pois todas passam pelas mesmas transformações, mesmos traumas e algumas sofrem torturantes processos de exclusão e tiração de sarro por algum “defeito” físico. Eu agüentei durante vários anos os apelidos mais grosseiros que uma garota pode ouvir sobre as suas pernas finas.É, eu tinha pernas finas ! Nessa fase difícil da minha vida eu cheguei a usar 2 calças legging por baixo do uniforme da escola. Nos dias que tinha aula de educação física eu rezava para que fizesse frio, para não ter que usar shorts ou uma calça só.
Com o passar dos anos eu voltei a ter muitos amigos meninos, não porque minhas pernas ficaram grossas, mas percebi que eu realmente tenho paciência com raros seres femininos. E eu posso até enumerá-los aqui, com reverencia, pois são pessoas iluminadas que conseguiram fazer parte da minha vida, efetivamente.
Talvez esse texto surgiu depois que eu me dei conta que trabalho rodeada de mulheres. Hoje eu contei.
Só na minha sala são 7. Na sala ao lado, - que é como se fosse aqui dentro, pois há somente divisórias de vidro-, existem 9. Isso sem contar nas adjacências e nos corredores.
E o que é contraditório é que as características delas me irritam ainda mais quando estou de TPM, sintoma típico de uma mulherzinha.

Se você está vestida com uma blusa, cinto, sapato e bolsa rosa, não leia os tópicos abaixo, você pode se magoar e ter que ir chorar no banheiro...

Estão sempre falando, todas ao mesmo tempo. E muitas tem vozes muito finas.
Parecem acordar sempre de bom humor. Ninguém me parece tão mal humorada quanto eu, de manhã.
Passam horas falando sobre que roupa vão comprar ou promovem um fórum de discussão para reunirem relatos acerca do sapato novo da amiga.
Algumas te olham com fisionomia triste e de pena quando você diz que não tem um namorado.
Estão sempre insatisfeitas, falando de dieta, da barriga, do cabelo, da unha que precisa fazer.
Gastam tanto tempo para dizer que não gostou do seu novo corte de cabelo ou da sua camiseta estranha... E isso porque você nem perguntou, elas acham que se forem grosseiras ou dizerem a verdade poderão perder a amizade. Pior que entre elas pode ocorrer isso e talvez eu seja a única que goste de dizer e ouvir as coisas de forma direta , sem rodeios.Como um delicado e feminino : “Tá horrível, tira isso!”.

Thursday, July 20, 2006

Farofa

A fila de ônibus se estendia até a outra avenida, mas todos ficam ali, impávidos, aguardando a sua hora de entrar.
Nuvens imensas e dispersas, que vem de tudo quanto é esquina, cobrem as suas cabeças que continuam baixas, e cansadas do longo dia de trabalho.
A fumaça que vem das barracas de churrasquinho exala o cheiro de frango, lingüiça, carne, e se mistura com o aroma de pipoca com bacon do carrinho ao lado.
Nessa noite todos se respeitaram e ninguém causou tumulto entre si, que é o mais indigno quando acontece já que as pessoas não se unem para protestar contra o estilo de vida escravocrata que levam, mas na maioria das vezes chegam uns próximos aos outros apenas para empurrar ou brigar.
Um repórter e seu assistente que deveriam fazer alguma matéria sobre o meio de transporte que continua sendo o mais utilizado (lotado) pós-PCC iluminam aquela escuridão do ponto de ônibus com o flash da câmera e do refletor e alguém bate nas costas de um rapaz que está na mira do equipamento:
“Vai aparecer na Globo hein rapá!”
O garoto que levou o tapa sorri, um sorriso rápido, e volta a sua atenção ao movimento da fila a sua frente, aguardando o momento para subir as escadas do coletivo.
Lá dentro escolho o lugar de frente a porta de entrada, aquele de um banco só, e me revolto quando vasculho a bolsa e não encontro o meu livro. Lembro que esqueci na mesa do trabalho e me conformo em olhar as pessoas enquanto passam na catraca do meu lado. Aquele não é o ônibus que eu sempre pego, nem sempre tenho essa visão, então um dia sem o meu livro não vai me fazer mal algum.
Homens com suas pesadas bolsas a tiracolo, entram com uma lata de cerveja na mão, e um espetinho na outra. A farinha cai no bigode e na primeira arrancada do motorista, um gole de cerveja quase é perdido... mas graças a enorme bolsa que passava antes na catraca, o liquido é absorvido pelo tecido.
Os companheiros de trabalho falam piadas entre eles e sorriem enquanto bebem e comem a carne do espetinho. Estão felizes, pois mais um dia acabou e eles voltam para casa, onde a esposa provavelmente os espera com um prato imenso de comida e irão digeri-lo enquanto assistem o Jornal Nacional. Depois das crianças dormirem eles se refugiam em seus quartos, talvez façam mais um filho por descuido,e aí o país continua cheio de gente sem emprego e sem futuro.Nada contra o nascimento de mais crianças feitas com amor, mas é nítido a disparidade do número de filhos de um casal pobre a um casal rico. Parece que pra compensar a ausência de eletrodomésticos de ultima geração eles querem encher a casa de filhos.
Pergunto se o senhor que estava encostado próximo ao meu banco quer que eu segure a bolsa e ele me entrega. Cochilo com a cabeça escorada na janela e acordo, como se tivesse calculado um ponto antes do que eu tinha que descer.
O trajeto do corredor até a porta é longo e tortuoso. Senhores de meia-idade, aqueles mesmos que se entupiam com o espetinho com farinha balbuciam obscenidades com os amigos do lado enquanto olham na altura dos meus glúteos.Não desejo mal algum a eles, apenas imagino que a carne possa estar intoxicada já que não podemos confiar na higiene dos alimentos feitos a céu aberto.
Desço as escadas e chego à minha rua ... é nessas raras vezes que fico aliviada ao voltar para casa.