Thursday, December 26, 2013

Nesse ano

Descobri que rever os dias é tarefa cotidiana de dezembros desde que aprendi a escrever sobre coisas que passaram.

Percebi que por algumas palavras tantos anos seriam definidos como surpresa, essa inesperada visitante certeira de alguns gloriosos dias.

Enxerguei tanta coisa transparente aqui um dia e não tinha me dado conta que às vezes queria escondê-las, quando eram belas principalmente.

Que as histórias que a gente não queria ter passado, nunca deixarão de existir, mas pode-se esquecer, nos dias em que se sorri com o corpo todo.

Que no vai e vem de tentativas na vida há o respiro de uma tarde de silêncio que pode explicar muitas coisas.

Que o corpo gritará o mais alto que puder quando precisar parar, e fará ele mesmo esse movimento.

Que podemos fazer poesia, mas nos transformarmos nela pode ser um perigo real, já dizia um poeta.

Que deixar os escritos de lado ou o que você mais sabe fazer pode ser tirar férias de si mesmo, ou descobrir novos dons.

Que posso desacelerar e confiar que as letras estarão sempre ali: basta despertá-las de algum sono.

Que podemos ser profundamente silenciosos ou tomarmos o espaço com nossa voz, e que algum lado pode querer existir por mais tempo.

Que a vida pode ser surpreendente e nos inspirar a sermos quando quisermos.

Que não precisamos ser o ideal de ninguém e nem de nós mesmos, que somos humanos errantes o tempo todo, na perfeição da eternidade.

Que o amor pode ser um encontro, mas também decisão, estado de espírito, personalidade.

Que as coisas mudam o tempo todo. E que isso só é aprendido quando se materializa e deixa de ser uma mera frase.

Que viver é transformar os dias, se transmutar.

A vida revela-se como a criação de novas vidas dentro de uma só, nesse renascer sem fim.



Wednesday, October 02, 2013

A flutuar

Eu aprendi a nadar um dia no raso
Sem querer, ou não tendo certeza.
Desacreditando, diante o medo que sentia do mar.
Você achou que eu já sabia
Mas me puxou para o fundo, e me agarrei a você
Senti medo e por isso quase afundei
Arrisquei alguns passos entrar no oceano e mesmo tão transparente recuava
E então pulei, e afundei.
Tinha a certeza que estaria lá fora.
Mas que só poderia voltar a respirar sozinha.
Agora caminho, flutuando nas águas desse mar de olhos seus.



Tuesday, August 20, 2013

Não foi de repente

Foi assim, um dia os passarinhos cantavam, e eu estava de novo com dor de cabeça, mas pensava com os olhos fixos no desnível da cerâmica cinza do chão que eu já há muito havia cansado de dores de todos os tipos que percorriam o meu corpo e em alguns dias me deixavam em paz.
Esses dias há alguns anos, faziam eu perder a tranquilidade, era como se eu relutasse em receber algo que tão difícil e raro, e assim desconstruísse em horas a fio que se tornaram anos enrolados em um emaranhado complicado de desfazer que só matando ou morrendo para cortar os laços da linha que não eram tão bonitos.
Eu esfregava os olhos com uma preguiça sem fim e ia correr pelo buraco da calçada, torcer o pé com vontade de parar um dia e algo falava sempre no canto do ouvido como um zumbido sem fim adquirido em uma casa de show e eu mantinha ali como um eco de uma música que não ouvia mais.
Meus braços volviam pelo ar como se puxassem o denso ar que esgotava por dentro e faltava por se fazer com as próprias mãos.
Passou, nas cadeiras de balanço enviesadas de tiras transparentes cores azul e rosa, e que enferrujavam ali enquanto arrastavam uma poeira no caminho do chão da sala, deixando um rastro.
Eu não sei bem em dizer de tanto que disse e escutei, e dos vincos do rosto que faziam sorrir e depois de umas semanas estava em algumas garoas finas a encolher os braços e de novo a caminhar na rua como se desse a volta na cidade e das solas do pé incontáveis sapatos gastos.
Se eu soubesse, andaria então com um gravador no pulso, guardando as vozes que depois não escutamos mais, e não sei em que espaço de memória resgatamos de quem não está mais aqui ou só em sonho tento apertar os olhos forte pra tentar ouvir.
E desse espaço cravou-se um eco frio e brilhante da cidade em que vim, como uma certeza minha, que por ser assim, sorria ao vê-la, essa verdade nossa que criamos nas fábulas de quando nossa coluna cresce e não nos movemos mais de certas formas.
A vida toda poderia ser um silêncio de coisas mais falantes do que qualquer palavra que aprendemos, mas como dia, há de correr e preencher com algo que denote onde há dúvidas e pra onde falta crescer.

Doces luas ensolaradas e incontáveis que dividiu entre olhar ao céu de tantas formas. 


Sunday, August 11, 2013

O incrível causo da garota sem pai

Passou no cartório, e registrou-se .
Era pequena para falar , e também para andar, não tateava o balcão, mas pedia, com seus pequeninos olhos de um centímetro, que colocasse ali o nome de seu pai. 
Sua mãe a carregava no colo, enquanto ele ficava ao lado, e pagaria os custos do registro.

Sim, ele continuou, durante todos aqueles anos, e em alguns primeiros mostrou existir ali ao seu lado, como o pai que ela queria registrar.

Como o seu primeiro cartão de natal, uma das lembranças que super valoriza em um mistério de sonhos em que nos agarramos nos únicos momentos bons, em uma caixinha de cartas e cheiros de mofos, datado de 1982, com tinta vermelha, afeto e palavras poetizadas, que durante muitos anos chorava quando procurou ler.
Mas outros registros foram cobrindo entre pó, o cartão. E não lembra quando parou de relê-lo. 

Guarda hoje, o sertão, Mazzaropi, vitrolas de Nelson Gonçalves , as buscas na porta da escola, os gatos e cachorros, os filmes dos Trapalhões no cinema, o Viola minha Viola aos domingos.E é só. 


Friday, August 09, 2013

Diz.

... E então quis saber o que havia.
Ajeitou a peruca de um estranho, desencantou o olhar da padaria, foi demitida, resolveu o que afligia.

...e andava na rua assim, com a cabeça inclinada, para ouvir o que dizia. 

Saturday, June 29, 2013

... talvez esse otimismo era resquício daquela sensação que sentia toda a vez que uma dor passava. Como uma dor de cabeça muito forte, e que de repente vai embora,e te deixa livre. Aquela sensação de poder viver sem sofrer, vai se repetindo, acumula, toma força em se transforma em uma grande fé. 

Saturday, May 11, 2013

Mãe


Entro no metrô e só hoje percebi que o teto parece muito baixo.
Ando olhando para o alto, para o chão, para os lados, depois que parei de beber.
Antes olhava para frente, obstinada, sem me preocupar com as árvores.
Como pude passar por elas e desaperceber?
Continuam assim, incrivelmente crescendo por baixo do solo, e florindo para avisar isso.
Percebo suas cores, olho para o céu, e desde que contei estrelas com aquelas crianças, jamais deixo de olhá-las de forma alinhada, buscando três marias.
Elas dividem espaço ali, entre seus diversos galhos e folhas, concentradas em fixar raízes.
Se eu fosse uma delas, eu queria ser aquela estrondosa, que quebra as calçadas pra falar em existir. De tantas formas que fica impossível decorar seus braços, mudando sua estrutura com seus caminhos de crescer para o alto.
Destruindo o concreto que a oprime, mesmo quando em silêncio, e sem mover um passo, grita, que qualquer espaço é pouco.
A rua se move enquanto as plantas dormem no escuro.

Tuesday, May 07, 2013

Ah se eu te dissesse assim, o quanto eu ví, e tantos abraços, e toda a saudade, assim, por si só, aquela que não tem motivo nem alguém, que fica por qualquer coisa, a placa torta da rua, a tinta falha na parede, um cheiro que nunca sei qual é, talvez você diria que eu enlouqueci, e que a vida está sem gritar meu nome a correr os dias encobertos de lembranças. Eu lhe responderia com o tempo, esse espaço em que finjo parar os ponteiros pra encher meu ar de surpresa.

Tuesday, April 30, 2013

Tarde vazia


Esvaia-se como que um vento fugidio.
Acordou pra retomar o tempo.
O tempo que te cantou e entorpeceu.
Retoma o ar faltante e distraído.
...
Não sabes se foi um dia triste.
Tristeza não se combatia.
Pensou que ela poderia ficar. Se não a entristecesse.
Como se a recebesse com um sorriso.
Não faz jus mais ao que sentes.
...
Quantas tardes passariam assim, em dúvidas de canto.
Outras tantas, sem fôlego ou espanto.
Ausência dos ecos do vento.
Quando passa e nada diz.


Tuesday, April 23, 2013

Passou.


Descobriu-se daquelas cenas intocáveis, atravessou a rua, com pressa, a calcular a distância do carro por uma nota sonora, sem olhar para o lado e apenas para a frente;
arriscando alguns atropelos.

A ponta do dedo do pé, arranha no canto da bota que esquiva-se em um passo de vento frio, a  adentrar num espaço fino entre as linhas e o fecho.

Não era um sorriso, apenas a mistura de saliva com os fios de cabelo insistentes a confundir o seu rosto.

Dói. Aqui no canto esquerdo das costas, logo abaixo de um osso recalcado, na angústia dúvida do que se pode ser.

Receia o intervalo entre um respiro de nenhuma palavra para captar o ar enquanto falta algo no pulmão, talvez silencie.

Tanto lhe disse e o que ouviu?


Mas passou... Os carros e a fumaça, delirando entre um balé desgovernado num misto de dor e gritos suaves de sussurros.

Não reconheces, pois as pessoas estão sempre deixando algo por entre os seus dedos, enquanto crescem ou enrugam, descascam, nas unhas que tentam falar algo.

Agora estamos em outro espaço de combinações de paredes, que se dobram entre os dias e os anos que você não suspeita, sob sonhos indecifráveis esquecidos em copos deixados na ponta da mesa, palavras encurtadas em um eco esofágico.

Digeres a vida meu amor, como uma última folha de papel de tintas borradas que carregaste por alguns segundos entre seus dedos.

Lá vai, a esquina das gotas de dias a apagar as marcas da sua voz que dizia algo que não vai nunca lembrar, fica no espaço como suor perdido.

E ninguém quer perder nada. Até que se lembre. 

Algumas pessoas precisam guardar coisas que não precisam.
Outras passarão a vida sempre com saudades, entrecortando cenas do que não pode ter espaço pra assistir.
Sem terminar, foi quando inspirou e parou. Com algo ali que cabia mais do que uma página, um caderninho de anotações, a palma da mão, uma conversa que faça sentido.

Rodopiar, até que canses na volta de seus braços. Por detrás dos olhos, em algum canto de intervalo entre suas piscadas, todo sorriso passa algo incompleto.

Monday, February 18, 2013

1997

Tinha dias lentos em que de feliz sentia um nó profundo desaguado consciente de nenhuma tristeza, talvez apenas por isso, sua pele.
Esse transitável dia de mais uma vez único, seguiu-se uma chuva, prenúncios de fim de mundo, descrença nos fins, coisas guardadas, músicas que não lembrava como ouvir, nem como dizer mais.
Agora, o que já se foi.

Wednesday, February 13, 2013

Quantas despedidas cabem em uma vida?



Teve um dia, ontem, em que você imaginou que aquilo poderia virar saudade.
Mas, de um viver tão grandioso como é, daquele momento, trouxe a saudade que fica, e que não existe agora.
É algo que foi, e não volta, reluz em reviradas de fotos ou algo que nem na memória reproduz ao certo.
Necessária companhia de quem também passou aqueles dias, pra relembrar o que apagou-se com o vento.
Como uma carta não lida, fechada, com carimbos de correio, e tentativas de entrega.
Formam-se segundos de alegria absoluta de uma surpresa, como um presente em forma de lembrança que alguém vem entregar.
É um misto de felicidade que não volta, e um frescor de uma certa dor de um choro que não vem.
Fixa-se em uma respiração longa e nova, o instante exato em retomar o dia de hoje, e deixar a memória em uma caixa imaginária.
No coração, na alma, na mente, em volta do corpo, na história.
A transformação de algo em saudade é de tamanha existência por não ser mais visto.
Você sabe, mas não vê mais do jeito que viveu.
É um filme que paira no ar, sem localização ou projetores.