Tuesday, November 14, 2006



Os departamentos pareciam repartições públicas. As salas ficavam fechadas e os móveis eram de madeira pinhão.
Os funcionários daquele setor eram em sua maioria homens mais velhos, carecas e casados.
Ela era incumbida das tarefas mais desprezadas: passar fax, buscar as garrafas de café na cozinha, distribuir os materiais de escritório.
Mas tinha uma na qual sempre se saia bem: encontrar coisas. Não importava qual documento fosse. Algo que ela nunca viu, letras minúsculas, numero de protocolos só no rodapé de paginas empoeiradas. Era só pedir , que ela encontrava.
Abria aquelas gavetas de aço pesadas do arquivo, colocava as pastas para fora e folheava de maneira aleatória.
Naquela época já trazia a alcunha de bagunceira e desorganizada. Não parava para arrumar as coisas, mas sempre acabava encontrando o que procuravam.
Pensou até em ser pesquisadora, arqueóloga, historiadora, ou até astronauta, e quem sabe conseguiria localizar um novo planeta...
Embora todos os sonhos típicos para a época a cerceasse, voltou a terra, fechou a gaveta, e foi até ao departamento, com o papel esperado pelo chefe que não encontrava mais unhas para roer.
Eram todos tensos em forma distinta.
Além dos dedos na boca, ele arregalava os olhos e os fios do cabelo pareciam estar sempre arrepiados.
O que mais a agradava, por mais quieto que fosse era o Carlos Eduardo. Conhecido por Dudu Stradvarius. O segundo nome de apelido era referencia a sua segunda função.
Dudu era violinista de uma escola adventista, e sempre colocava nomes e historias de artistas clássicos no meio das conversas mais corriqueiras.
-Minha mulher está grávida.
-Parabéns!!!
-Mas a primeira esposa de Johann Sebastian Bach morreu de repente, depois que deu à luz a sete filhos.
-Acho que tenho problema de audição, tenho que ir ao médico.
-Beethoven quase cometeu suicídio quando soube, mas por essa deficiência, introduziu mais contrastes, mais peso e mais drama que conseguia ouvir na forma sinfônica.
Fora o discurso clássico de todo dia, ele ainda tocava um violino imaginário ou um air violin, quando ficava nervoso.
Falava que um dia ia levar ao trabalho o instrumento e mostrar algumas notas. Ela aguardava ansiosa porque além achar lindo o som, queria aprender a tocar.
Um dia depois da conversa que tiveram a tarde toda sobre música, a filhinha que tinha acabado de nascer, a esposa que conhecera na adolescência, ela entra na sala esperando ver o gordinho na mesma mesa de frente à dela, com sua respiração ofegante por conta da asma.
Mas ele não estava lá.
Ele tinha morrido. Um bruto acesso de tosse asmática e foi parar no hospital. Faltou oxigênio no cérebro. Ele não tinha achado a bombinha a tempo.
Começou a chorar, mas depois de dois minutos, como cronometrados para o silencio, o seu chefe voltou a roer as unhas, e os telefones tocavam e fax e e-mails chegavam, e tudo voltava à normalidade. Será que se precisasse achar a bombinha para Dudu ela teria encontrado na hora certa?

1 comment:

Anonymous said...

O dia que vc publicar o seu livro, me avisa, viu Suzans!?

Que bom que vc gostou do blog novo.

Beijona, Suzanona!