Foi assim, um dia os passarinhos cantavam, e eu estava de novo
com dor de cabeça, mas pensava com os olhos fixos no desnível da cerâmica cinza
do chão que eu já há muito havia cansado de dores de todos os tipos que percorriam
o meu corpo e em alguns dias me deixavam em paz.
Esses dias há alguns anos, faziam eu perder a tranquilidade,
era como se eu relutasse em receber algo que tão difícil e raro, e assim desconstruísse
em horas a fio que se tornaram anos enrolados em um emaranhado complicado de
desfazer que só matando ou morrendo para cortar os laços da linha que não eram
tão bonitos.
Eu esfregava os olhos com uma preguiça sem fim e ia correr
pelo buraco da calçada, torcer o pé com vontade de parar um dia e algo falava
sempre no canto do ouvido como um zumbido sem fim adquirido em uma casa de show
e eu mantinha ali como um eco de uma música que não ouvia mais.
Meus braços volviam pelo ar como se puxassem o denso ar que
esgotava por dentro e faltava por se fazer com as próprias mãos.
Passou, nas cadeiras de balanço enviesadas de tiras
transparentes cores azul e rosa, e que enferrujavam ali enquanto arrastavam uma
poeira no caminho do chão da sala, deixando um rastro.
Eu não sei bem em dizer de tanto que disse e escutei, e dos
vincos do rosto que faziam sorrir e depois de umas semanas estava em algumas
garoas finas a encolher os braços e de novo a caminhar na rua como se desse a
volta na cidade e das solas do pé incontáveis sapatos gastos.
Se eu soubesse, andaria então com um gravador no pulso, guardando
as vozes que depois não escutamos mais, e não sei em que espaço de memória resgatamos
de quem não está mais aqui ou só em sonho tento apertar os olhos forte pra tentar
ouvir.
E desse espaço cravou-se um eco frio e brilhante da cidade
em que vim, como uma certeza minha, que por ser assim, sorria ao vê-la, essa
verdade nossa que criamos nas fábulas de quando nossa coluna cresce e não nos
movemos mais de certas formas.
A vida toda poderia ser um silêncio de coisas mais falantes
do que qualquer palavra que aprendemos, mas como dia, há de correr e preencher
com algo que denote onde há dúvidas e pra onde falta crescer.
Doces luas ensolaradas e incontáveis que dividiu entre olhar
ao céu de tantas formas.
