Tuesday, August 20, 2013

Não foi de repente

Foi assim, um dia os passarinhos cantavam, e eu estava de novo com dor de cabeça, mas pensava com os olhos fixos no desnível da cerâmica cinza do chão que eu já há muito havia cansado de dores de todos os tipos que percorriam o meu corpo e em alguns dias me deixavam em paz.
Esses dias há alguns anos, faziam eu perder a tranquilidade, era como se eu relutasse em receber algo que tão difícil e raro, e assim desconstruísse em horas a fio que se tornaram anos enrolados em um emaranhado complicado de desfazer que só matando ou morrendo para cortar os laços da linha que não eram tão bonitos.
Eu esfregava os olhos com uma preguiça sem fim e ia correr pelo buraco da calçada, torcer o pé com vontade de parar um dia e algo falava sempre no canto do ouvido como um zumbido sem fim adquirido em uma casa de show e eu mantinha ali como um eco de uma música que não ouvia mais.
Meus braços volviam pelo ar como se puxassem o denso ar que esgotava por dentro e faltava por se fazer com as próprias mãos.
Passou, nas cadeiras de balanço enviesadas de tiras transparentes cores azul e rosa, e que enferrujavam ali enquanto arrastavam uma poeira no caminho do chão da sala, deixando um rastro.
Eu não sei bem em dizer de tanto que disse e escutei, e dos vincos do rosto que faziam sorrir e depois de umas semanas estava em algumas garoas finas a encolher os braços e de novo a caminhar na rua como se desse a volta na cidade e das solas do pé incontáveis sapatos gastos.
Se eu soubesse, andaria então com um gravador no pulso, guardando as vozes que depois não escutamos mais, e não sei em que espaço de memória resgatamos de quem não está mais aqui ou só em sonho tento apertar os olhos forte pra tentar ouvir.
E desse espaço cravou-se um eco frio e brilhante da cidade em que vim, como uma certeza minha, que por ser assim, sorria ao vê-la, essa verdade nossa que criamos nas fábulas de quando nossa coluna cresce e não nos movemos mais de certas formas.
A vida toda poderia ser um silêncio de coisas mais falantes do que qualquer palavra que aprendemos, mas como dia, há de correr e preencher com algo que denote onde há dúvidas e pra onde falta crescer.

Doces luas ensolaradas e incontáveis que dividiu entre olhar ao céu de tantas formas. 


Sunday, August 11, 2013

O incrível causo da garota sem pai

Passou no cartório, e registrou-se .
Era pequena para falar , e também para andar, não tateava o balcão, mas pedia, com seus pequeninos olhos de um centímetro, que colocasse ali o nome de seu pai. 
Sua mãe a carregava no colo, enquanto ele ficava ao lado, e pagaria os custos do registro.

Sim, ele continuou, durante todos aqueles anos, e em alguns primeiros mostrou existir ali ao seu lado, como o pai que ela queria registrar.

Como o seu primeiro cartão de natal, uma das lembranças que super valoriza em um mistério de sonhos em que nos agarramos nos únicos momentos bons, em uma caixinha de cartas e cheiros de mofos, datado de 1982, com tinta vermelha, afeto e palavras poetizadas, que durante muitos anos chorava quando procurou ler.
Mas outros registros foram cobrindo entre pó, o cartão. E não lembra quando parou de relê-lo. 

Guarda hoje, o sertão, Mazzaropi, vitrolas de Nelson Gonçalves , as buscas na porta da escola, os gatos e cachorros, os filmes dos Trapalhões no cinema, o Viola minha Viola aos domingos.E é só. 


Friday, August 09, 2013

Diz.

... E então quis saber o que havia.
Ajeitou a peruca de um estranho, desencantou o olhar da padaria, foi demitida, resolveu o que afligia.

...e andava na rua assim, com a cabeça inclinada, para ouvir o que dizia.