Tuesday, September 29, 2009


Lá fora



Morava em meio a ruas com nomes de instrumentos
Era só descer a gaita de foles, entrar a segunda a direita
As crianças sempre estavam por lá
A brincar os jogos extintos
Amarelinha, queimada, pega-pega
Ainda havia uma árvore ali na frente
Onde podiam subir e de lá avistar a rua das flautas transversais
Lá embaixo começava a acabar o dia
Aquele cansaço e suor bom
Tinham deixado os rostos corados com o sol que passava
E nos postes de luz, vários siriris, ou cupins alados
Era a espécie de cupim com asas, também chamados de aleluias
Seja como for, aqueles insetos apareciam somente no verão
E eles disputavam quem conseguiria guardar mais em um saco de plástico
Enquanto o poste ia ficando cada vez mais liberto de mosquitos
Elas apostavam um amor quando o avião passava
Não se lembra quem havia ensinado essa crença
Mas bastava abrir a mão, pegar o avião no ar, e colocar dentro da roupa,
Na direção do coração
E a lua surgia, junto com as mães a chamar nas varandas
Todos sempre tentavam se safar, e ganhar mais uns minutos
lá fora

Monday, September 28, 2009


Sintonia


Ele a esperava na porta do colégio
Para almoçarem juntos em casa
Era a hora que acordava
Pois trabalhava de segurança noturno em uma fábrica de tecidos
O cardápio geralmente era arroz, feijão, alguma carne com farinha
Típica mistura lá do nordeste
Sempre tinha suco de laranja, que ele fazia questão de fazer
Todos os dias, para proteger o organismo
Sentavam-se à mesa os dois
Com a voz do Eli Correa na mesa
Quando terminava, ela o ajudava a guardar os pratos
E sintonizavam no Gil Gomes
Suas histórias dramáticas combinavam tanto com a música clássica de fundo!
Depois ele ia dormir, pois precisava levantar as 19h00
Logo mais as 17h00, aquela chegava
E as 18h00 era hora de escolher o feijão para a janta
Com a hora da Ave Maria no rádio

Thursday, September 24, 2009

Dias nunca vistos antes em toda a eternidade


As flores que não são flores
Do vestido,
Parecem sorrir
E aquela vontade de concordar com algo que você não concorda,
Faz assentir a cabeça para cima e para baixo
Apenas escuta...
Ouve alguém dizer algo sem conhecimento algum
Guarda o que sabe para si
Um dia ele vai entender, será?
Uma pessoa a corta, naquela ânsia de falar e não ouvir
A deixa com a sua necessidade, quem sabe com isso será mais feliz
Isso não sufoca nem causa ansiedade como antes
É tão passivo que dá leveza
O mundo lá fora a chama, e ela hoje só quer ir para casa, dormir
Deixar esse dia passar assim
Só esse dia.

A casa da frente


Ela tinha um tucano, que quase falava, feito papagaio
A outra tinha uma galinha de estimação
Que andava presa a uma coleira
E assim também compartilhava a amiga da casa da frente
Que conhecia desde quando se entende por gente
A casa tinha cheiro de quadros antigos
Havia sempre algo no meio da sala de tacos de madeira
E nos dias chuvosos tinha brincadeiras de tabuleiros
Era tão escura, mas ao mesmo tempo naquela janela de aço entrava mais claridade,
Que a outra casa da frente
Existia um porão, como toda casa que tem história
Lá abrigava uma maquina de lavar antiga, papéis de revistas pela metade,
Poeira, carrinho de feira, coleira de cachorro inexistente
Era sempre fácil tocar a campainha e rostos mais familiares surgirem, a sorrir
Desciam as escadas a mexer o molho de chaves,
e já falavam um assunto que se iniciaria
Mais uma tarde de bolo com café ou pipoca para assistir um filme qualquer
O pai sempre balbuciava, e uma briga aconchegante surgia
A mãe reclamava, mas o som parecia música, e assim se sentia bem
Como aqueles adesivos da geladeira azul celeste
Queria ficar fixa ali, no quarto que abraçava com o teto baixo
Na penteadeira frascos de perfumes antigos
E as maçanetas das gavetas eram de cristal amarelado
Não parecia que algo de atrito estava no ar, e tudo era pacifico
Daquela varanda avistava a outra casa, e aquela visão era bem melhor daquele ângulo
Acenava para a mãe, e continuava ali, na casa da frente.

Tuesday, September 22, 2009


Sobre a primavera mais invernal de todos os tempos



Todos os olhos fechados
Todos
A cantar os cantos inaudíveis
Todas as bocas abertas
A falar frases ecoáveis
Todas
As palavras não ditas
Ecoam o vento torpe dos batuques
Todos os cheiros vazios
Todos
Demonstram a balbúrdia dos pretextos
Todos os ouvidos tortos
Todos
A apontar convexos horripilantes
Todas as mãos
Todas
A cortar os prelúdios refeitos

Thursday, September 17, 2009


Cegueira, sem ensaios


Vivemos com os olhos recônditos
Cubrindo cada vez mais grossamente paredes
que dividem verdades ou conversas que deveriam ser ouvidas
ouvindo coisas que não foram ditas
Voltando o olhar para o que é de fácil visão
Pois todas as coisas não estão na nossa cara
Talvez nada seja tão claro quanto ditam as pífias filosofias
que insistem a arrojar o que parece para si, simples.
E para olhar é preciso muita força além de abrir os olhos

Wednesday, September 16, 2009

Provinciando

Ela abriu os olhos
Parecia que estava em um pesadelo
Não havia espaço para respirar
Nem se mover
Muitas pessoas a olhavam
Quando ameaçava a pressão cair
Saiu depois de horas de viagem naquele trem
Mas voltou
E lá, senhoras flácidas andavam a falar alto
Olhando para cima das varandas
Mas voltavam os olhos para a fitar ofensivamente
Usavam sempre os cabelos presos
E às vezes derrubavam o molho de tomate na barriga
Os homens tomavam mais uma antes da janta, no bar
E a observavam sempre, nesses 28 anos de vida ali
Quando tentou tomar uma singela cerveja
Ouviu um não como resposta, alegando fechar o bar
As 10 da noite
Um deles não hesitou em correr para pegar o carro
E segui-la
Num misto de protecionismo sem nem ao menos conhece-la
mais
E aquela fagulha da fofoca que persiste ainda mais neles
Parece que estão sempre a cercear
E sabem de cor a hora que chega, a hora que sai, a roupa que usa
Por onde vai
Eles não sabem

Tuesday, September 15, 2009


“somos idiotas para sempre idiotizados (...)
Alegremente”


(...)
eles seguem escrevendo
despejando poemas…
jovens garotos e professores universitários
esposa que bebem vinho durante a tarde
enquanto seus maridos trabalham,
eles seguem escrevendo
os mesmos nomes nas mesmas revistas
todos escrevendo um pouco pior a cada ano,
lançando uma coletânea de poesias
despejando mais poemas
é como um concurso
é um concurso
mas o prêmio é invisível.

eles não escreverão contos ou artigos
ou romances
apenas seguirão
despejando poemas
cada um soando mais e mais como os outros
e menos e menos como eles mesmos,
e alguns dos garotos se cansam e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho durante a tarde
nunca nunca nunca desistem
e novos garotos chegam com novas revistas
e há alguma correspondência entre homens e mulheres
algumas fodas
e tudo é exagerado e estúpido.

quando os poemas são recusados
eles os reescrevem
e mandam para a próxima revista na lista
e eles fazem leituras
todas as leituras que conseguem
de graça na maioria das vezes
esperando que alguém finalmente os reconheça
finalmente os aplauda
finalmente os congratule e reconheça o
talento deles
estão todos tão certos de suas genialidades
há tão pouco autoquestionamento,
e a maioria deles vive em North Beach ou Nova York,
e seus rostos são como seus poemas:
iguais,
e conhecem uns aos outros e
se congregam e se odeiam e se admiram e se escolhem e se
descartam
e seguem despejando mais poemas
mais poemas
mais poemas
o concurso dos cretinos:
tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap,…

(…)
de:O amor é um cão dos diabos

Bukowski.

Monday, September 14, 2009

*
Detruire, dit-elle*


E ela se cuidava
Porque quando estava bem, poderia se destruir de novo
Para se recuperar
E assim se destruir
E recuperar
Para destruir


*sic

Thursday, September 10, 2009



Flores

Marlene não tinha ninguém
Marlene tinha diabetes
Marlene ficou 15 anos internada
Marlene morou mais de uma década em um hospital de Recife
Marlene recebeu afeto e amor
dos funcionários do hospital em que viveu
Marlene vai ser enterrada em uma cova rasa
como indigente no Cemitério Parque das Flores.


http://jc.uol.com.br/canal/cotidiano/pernambuco/noticia/2009/09/10/morre-idosa-que-morou-no-hr-durante-15-anos-199088.php

Tuesday, September 08, 2009

Solidão
Sólido
Sólida
solidifica




...É como a paz daquelas tardes em algum corredor da rodoviária
A segurança por um gesto solidário de um total desconhecido
Ou a felicidade de aprender a flutuar sobre a água...
Essas desse tipo, dá prazer, traz sorrisos e alegria, e assim, compartilha-se.

Thursday, September 03, 2009

Eles têm medo
A gente não tem
eis !

Tuesday, September 01, 2009


Mundano ...a...
Mais um que parte sem conhecer.
Que tem medo do que parece só perfeição
Contradições do que é fugaz
Ou medo do imperfeito que estava prestes
Você não é o primeiro, e talvez não será o ultimo
E não é o único, nem nunca será
Sim, querido, não foi só para voce
Que tomei minhas letras como inspiração para falar
De coisas tão raras, sentimentos puros ou gestos sinceros
Só tenha como mérito que isso não acontece todo dia por aqui
Mas vai continuar a acontecer