
Ritmo
Ao ouvir os passos barulhentos na calçada, anestesiou-se com o compasso certo entre o intervalo de cada um.
Por mais que a rua, os arredores transmitissem um caótico movimento, nunca haveria uma ausência total de tudo que é fluído.
Seu coração ainda bate com a mesma intensidade de décadas e quase outras a mais, e assim todos os sentidos orgânicos se manifestam para mostrar que ainda estão ali, a carregar a rotina incessante do que pulsa.
Os gestos às vezes desordenados carregam uma métrica que ordena inúmeras seqüências inimagináveis de espaços.
E toda parada está à espera de um recomeço, assim como todos os passos carregam sempre uma ânsia de alguma chegada, mesmo que breve.
Respirou fundo de repente, e ainda assim o sincronismo que havia no ar que saiu de sua boca tomou forma para retornar a seqüência ininterrupta.
Inconscientemente levou a sua parafernália suscetível à regularidade esperada das coisas, assim como se viu antes de nascer, quando parecia tão difícil acostumar-se com todas aquelas freqüências.
E nem ali dentro do som escapava, então entendeu que todo silêncio carrega a vontade de ser ouvido. Às vezes para dar lugar a outro ritmo subscrito, ou para se fazer existir mesmo, o que para ele parece ser quase impossível, pois é preciso isolar-se de todos os sons para conseguir ser escutado.
Em frente a uma vitrine, uma grande TV transmitia um filme qualquer, enquanto um som vindo de algum lugar próximo unia-se àquelas cenas para provar uma regularidade abstrata das coisas. Tudo movia-se perfeitamente, como se fosse embasado na cadência das notas musicais.
Assim, o ritmo tornou-se surpreendentemente mais belo do que a música que já harmonizada passou por ele.
